Cadernos Negros Volume 29 Poemas Afro-Brasileiros
“Escritores e poetas são um tanto
malditos. Escritores e poetas negros são duplamente malditos. Vivemos no país
do preconceito, em que, a cada momento, temos de provar. Provar que somos
cultos, provar que somos capazes, provar que nossa história está sendo construída
por nós mesmo, não obstante as oportunidades que nos são negadas. Isso em
diversos setores da sociedade.
Com a literatura não é diferente. A importância
desse bando de escritores e poetas loucos - integrantes do Quilombhoje -, que
insistem em fazer literatura negra no Brasil, é imensurável. Cadernos Negros.
Até mesmo o título da publicação nos convida à fazer reflexão” (Fran Oliveira –
orelha do livro)
Quem acompanha meus stories sabe que nesse
livro encontrei novamente dedicatórias para Altamira, neste livro em especifico
foram 3 dedicatórias de pessoas diferentes, algo pra mim surpreendente porque
fica parecendo que foi um presente coletivo, além de ficar me perguntando onde
essas pessoas conseguiram comprar Cadernos Negros? Tirando a biblioteca pública
eu jamais tinha visto Cadernos Negros em alguma livraria ou sebo ou eventos de troca
de livros.
Concluo que Altamira tem amigos
maravilhosos, inclusive adoraria que os meus me dessem livros da literatura negra
também. Seria muito interessante se um dia eu conhecesse Altamira que pra mim já
é super famosa kkkk
Neste livro também encontrei o convite de
lançamento do livro aqui em Salvador, tudo isso me fez ficar pensando sobre
como um livro de uma biblioteca carrega muito mais que simplesmente a história
escrita nas folhas, tem traços da vida de quem já leu, que folheou tais
páginas, que decidiu doar a esta instituição que possibilita o acesso a uma
obra que tem uma importância tão grande, mas se encontra completamente fora dos
meios de circulação editorial elitista e racista.
Também pensei sobre a trajetória do
Cadernos Negros, hoje já estão na 40º publicação, mas fico imaginando lá na época
da 29º publicação, fazendo um lançamento na Casa de Angola com seus escritores
e escritoras participando, nomes que pra mim já são até familiarizados, me
sinto intima de tanto já ter lidos seus poemas ou seus contos, inclusive nesta
publicação tem um poema de Andréia Lisboa que é uma Homenagem aos 25 anos do
CN:
Homenagem
Um quarto de dores e desejos de tantos
sóis.
Suportado por luares de persistência de
todos nós,
Com o Axé e proteção de nossas Grandes
Mães.
Um quarto de lua crescente e aguerrida,
Que germina a terra e engravida de
esperança
Palavras mágicas, ecoantes de vozes
silenciadas.
Um quarto de século de negros Poetas e
Poetisas,
Rompendo com os séculos de opressão
Com sua verbosidade, garra e arte.
Um quarto de século de Cadernos Negros
Fonte viva das tessituras da nossa memória,
Contemplando e registrando nossa cultura
ancestral.
Cadernos Negros é tudo isso e mais um
pouco, é a maior resistência literária que conheço, confesso que não conheço
muita coisa, mas do que conheço ele já está consagrado como o quilombo literário
que vem produzindo, semeando, resistindo, se fazendo presente, incomodando,
refletindo e vencendo em muitas batalhas.
Por falar em incomodar, neste Caderno tem
um poema que não poderia deixar de pensar na tão falada propaganda da Boticário,
a família negra e feliz que incomodou e muito a branquitude no nosso país, e
também do enorme grupo de embaixadores da Colgate.
Publicidade
Não vivemos, não vivo nu
Nem moramos no Xingu
Mas, publicitários daqui nos condenam à
margem:
“...não são consumidores”
Ação de publicitários do Brasil
Inovação para nós, se há, só gotas
A tradição nos afoga em repetições
racistas
Cabeça de publicitário branco
Território das desculpas
No lugar da culpa, cinismo
Solo fértil e raízes do racismo
O horizonte poluído até hoje
Orgulho de ser brasileiro?
Quero fogo nesse outdoor.
Sim colocamos fogo no outdoor quando
falamos que não é qualquer propaganda que nos representa, quando falamos que
somos também consumidores e que queremos ser vistos, tanto foi dito e reivindicado
que ao mínimo que a publicidade fez a casa grande logo reclamou, porque convenhamos
o que a Boticário fez é uma gota na imensidão desse mundo publicitário racista,
mas apenas isto foi o suficiente para escancarar o racismo velado e pôr abaixo
a fajuta mentira da democracia racial.
Na apresentação do livro assinado por Esmeralda
Ribeiro e Márcio Barbosa tem um parágrafo que muito me chamou a atenção, pois é
algo que sempre reparo em todas as publicações, por sinal já até falei em
outras resenhas, o parágrafo é assim:
“Quem sabe este volume seja também a
consolidação de uma escrita feminina atuante em Cadernos... Às vezes a presença
de poemas ou contos de apenas duas mulheres, em uma experiência coletiva, é
como uma gota no oceano [...] Quem ganhará com a diversidade da escrita
feminina seremos todos nós”.
Eles pontuam que até aquele momento este
tinha sido o volume que teve a maior presença da escrita de mulheres, contudo
também salientaram que ainda era pouco pois nesta mesma publicação tem 20 homens
para 9 mulheres participantes, vemos que ainda temos muito a percorrer, mas
temos a certeza de que estamos percorrendo.
Esse volume de Cadernos Negros foi isso,
foi a minha leitura sobre o mundo, sobre a contemporaneidade, porque um livro publicado
em 2006 conseguiu ser um livro que reflete o 2018, Cadernos tem sido isso, a
leitura da vivência de mulheres e homens negros, a leitura da minha vivência.
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