Cartas Para a Minha Mãe
No dia 25 de
julho, Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha e o Dia
Nacional de Tereza de Benguela e da Mulher Negra, fiz uma publicação citando os
nomes de algumas escritoras negras latina americanas, não tinha citado Teresa Cárdenas,
mas tive a oportunidade de ler dois livros desta escritora e fico imensamente
feliz por ter conseguido ir um pouco além dentro da literatura negra, precisamos conhecer a literatura
negra que está em todo o mundo, valorizar as nossas que estão em cada canto.
Cartas para minha
mãe foi o segundo livro de Teresa que li, o primeiro foi Cachorro velho, desde
então já estava encantada com o modo de escrita de Teresa, com o modo que somos
conduzidas pela história. São livros pequenos, com poucas páginas, mas que
causam um efeito enorme em quem tá lendo, produz reflexões e inquietações em
nossa mente. Como o próprio título diz uma filha escreve cartas para a sua mãe
falecida, nessas cartas não tem a assinatura, por isso não sabemos o nome da
menina que está escrevendo, sabemos pelo seu relato que é chamada de beiçuda e
na sua última carta ela assina “Sua filha”, mas seu nome não conseguimos saber.
Lendo o livro fiquei esperando saber o nome da personagem durante toda a história, cheguei no fim e não descobri rsrsrs mas tem
um significado esse fato de não ter nome que deste modo poderia chamar a atenção de todos
que lessem o livro, essa menina pode ser nós mesmos, pode ser a gente
escrevendo para nossa mãe. Isso faz com que essa personagem fique muito próxima da gente, por isso esse não ter nome é tão instigante, chama a atenção
para algo que acontece com muitas meninas e meninos negros, crianças que não tem a mãe, sem uma
família acolhedora, que sofrem violência, são pessoas sem nomes que estão ao
nosso redor, nosso vizinho, nosso amigo ou a gente mesmo.
A menina vai
escrevendo cartas ao decorrer do seu crescimento, quando pequena relata sobre as
violências raciais que sofre, porém algo muito interessante é perceber que ela gosta do jeito que é pelo fato de ser parecida com a sua mãe, é como se fosse a
forma que ela encontrou para manter viva a conexão com esta mãe que não é mais
presente fisicamente. Ela também conta sobre a violência física que sofre,
durante toda a história ela indaga a falta de amor por parte de sua
família, principalmente de sua avó, ela vai descobrindo aos poucos como foi a
relação de sua mãe com sua família, sobre seu pai e vai discernindo o porquê de
tanta violência para com ela, o porquê de sua avó não demostrar amor e ser
agressiva consigo.
Algo que acho
importantíssimo pontuar são as redes de relacionamentos, seja amizade, amorosa
ou de militância que construímos e como essas redes são essenciais para o nosso
cuidado. A menina tinha uma rede pequena, mas que foi o seu conforto durante os
períodos mais difíceis. Quando ocorreu a violência física mais agressiva a
velha e amiga Menú abrigou a menina em sua casa e cuidou dela.
A percepção que a
menina consegue ter das diversas situações que ocorre ao seu redor também é
algo muito interessante, ela consegue perceber que tem negros que tem vergonha
de ser negros, como no caso de Sara a colega da turma que tem vergonha do seu
pai que aparentemente parece ser retinto, como Sara tem pele clara ela não
gosta de ser vista junto ao próprio pai, também ficamos sabendo que esta colega
faz um esforço para estar com pessoas brancas, e como consequência de
tudo isso a menina percebe e faz a constatação de que Sara é a menina mais
infeliz dentre todos da classe.
Esse é um assunto
que muito precisa ser discutido, sobre colorismo, sobre relacionamentos
inter-raciais, eu suponho que a mãe de Sara seja branca casada com um homem
negro que tem uma filha negra de pele clara, isso implica em muitos aspectos na
vida dessa garota. Implica em estar na condição de mais aceita socialmente, mas
continuar sendo negra e para se integrar completamente ao padrão vai fazer de
tudo para ser branca, também não será muito bem aceita pelos negros, pois percebem que a própria criança não quer estar com os seus nem se aceitar como negra, na história Sara é chamada de “piola” (forma depreciativa de se referir àqueles que
preferem se relacionar apenas com pessoas da raça branca).
Temos na história
algumas demarcações importantes de ser pontuadas quando nos referimos a
estética, a menina negra retinta que não deixa alisarem seu cabelo, que gosta
do seu nariz e lábios, principalmente por se parecer com sua mãe, a menina
negra de pele clara que enxerga nisso uma grande possibilidade de ser
bem mais “””””””acolhida”””””” e também as meninas negras que alisam o seu
cabelo e sonham com o cabelo liso, mas não tem a pele clara.
SPOILER
Por fim, aos 15 anos, a menina agora uma adolescente chega a um nível de
discernimento e amadurecimento ainda maior, com isso consegue perdoar sua mãe
por ter se suicidado, como consequência não participando do seu processo
de crescimento e criação deixando que outras pessoas cuidassem, nesse período ela decide parar de escrever cartas para a mãe e deixa eu parar por aqui porque já falei demais rsrsrsrsrs
Teresa Cárdenas já recebeu
o Prêmio Casa das Américas em 2005 pelo livro Cachorro Velho, o Prêmio David pelo
livro Cartas Para A Minha Mãe e o Prêmio Nacional da Crítica Literária pelo
livro Cachorro Velho. Além de escritora é uma bailarina renomada, ativista social e exerce o ofício de contadora de histórias. Como livro infanto juvenil tem Cartas para minha mãe e Cachorro velho, na literatura infantil traduzido pro português tem Contos De Olófi, ficamos no aguardando até o dia
que todos os livros forem traduzido e pudermos aproveitar ainda mais a escrita de Teresa
Cárdenas.
O livro é magnífico! O que mais me impressionou foi a presença da religião de matriz africana. Sabia que em Cuba era presente, mas não com essa intensidade. Quanto à menina não ter seu nome revelado, adorei sua interpretação. Ah, penso que a mãe tinha acesso de alguma forma às cartas, pela espiritualidade presente no livro e porque quando a garota se queixa da avó, a mãe aparece no sonho da senhora, assustando-a. Muito boa a resenha... E a foto também!
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