Poéticas periféricas: novas vozes da poesia soteropolitana
Esse foi o
primeiro livro de antologia poética da literatura periférica que li, li em pdf
e em breve colocarei no blog para que vocês também tenham acesso. Alguns nomes quando
li pela primeira vez reconheci, outros nomes na releitura que fui reconhecer
como o nome de Amanda Quésia que conheci no livro O diferencial da favela:
poesias e contos de quebrada. Isso só demonstra mais uma vez como essas
iniciativas de produções são importantíssimas para a valorização dos jovens ou
não tão jovens escritores e escritoras da periferia-favela-comunidade-quebrada.
Desde que li uma
sensação ficou em mim decorrente da leitura de todos os poemas que posso
resumir o livro em duas palavras – resistência preta – isso porque a nossa resistência
tem cor sim, a nossa cor ancestral, a nossa cor de luta, a nossa cor de realeza
e beleza, não digo dessa resistência que surgiu após a eleição, mas digo da resistência
que o povo preto sempre soube, que herdamos dos nossos vindos de África e que
aprendemos a utilizar desde pequenos para sobreviver e também viver.
Muitas poesias
tocaram em um assunto comum, a chacina do cabula, uma demonstração de que a
poesia é cura, luta e memória, pois por mais que o Estado e as mídias façam o
seu trabalho de querer apagar esta chacina e a vida desses rapazes, nós
estaremos sempre lembrando deles até após as nossas vidas, poesias escritas em
livro são imortais, ficarão para a posteridade, a próxima geração quando ler
vai perceber que nunca esquecemos dos nossos irmãos que tombaram pela força brutal
do Estado que é a polícia.
Uma destas poesias
me chamou muito a atenção porque diz todos os nomes dos rapazes, eu sempre falo
da necessidade de dizermos os nossos nomes e sobrenomes e isso porque aprendi com
a grande teórica Lélia Gonzalez. Uma vez fiz uma publicação e queria colocar os
nomes dos rapazes, levei tanto tempo procurando na internet o nome deles, as
reportagens, as publicações do facebook ou blogs reduziam sempre “Aos 12 do
Cabula”, eles perderam não só a vida, mas suas historias, sua identidade, seus
nomes, viraram além de uma estática, um número, o número 12, nós dizermos os
nomes, relembrarmos as suas histórias é restituir o que o sistema de dominação
tirou destes jovens e o que tenta tirar de nós todos os dias.
CABULA XII (Alex
Bruno)
“Pela decisão dos
anjos, e julgamentos dos santos. Excomungamos, expulsamos, execramos e mal
dizemos” (Baruch de Espinosa)
Verdadeiramente
maldito é o homem detido em sua arte diante do poder e do Estado. As suas
fábricas infestam os nossos céus com suas cores artificiais. A vitrola em seu
gabinete toca uma melódica de mentiras. Tupi, índio guarani, Angola, Guiné,
Negros Bantos e os Orixás, AXÉ! A câmara de gás engolindo os olhos no
holocausto. A ciência desenvolve armas para conter as mentes mais exacerbadas.
A cura? Está na moeda! O governo recruta uma polícia especializada em
disseminar uma doença racista.
Bala! E Fogo, comem
carne preta! Adriano de Souza Guimarães, Agenor Vitalino dos Santos Neto, Bruno
Pires do Nascimento, Caíque Bastos dos Santos, Évison Pereira dos Santos,
Jeferson Pereira dos Santos, João Luís Pereira Rodrigues, Natanael de Jesus
Costa, Ricardo Vilas Boas Silva, Rodrigo Martins Oliveira, Tiago Gomes das
Virgens, Vitor Amorim de Araújo
Aos 12 mortos do
Cabula! E por mais que vocês nos matem, eu renasço! Vejam nossas maternidades
agora, estão cheias do choro da vida. Martin Luther King, Malcolm X! Meus
heróis tombaram pela intolerância de seus Estados! O desatino da sucessão de
novidades vazias, não varrerá da história o que foi escrito com sangue...
No livro as
poesias tratam de inúmeros assuntos, do empoderamento da mulher negra, da estética,
do auto amor, do despertar das memórias, da ancestralidade, de estar na
universidade, do novembro negro, do não reconhecimento desse modelo de sistema
como única solução, da força policial... são muitos temas que podem ser lidos
por jovens negros de outros lugares do Brasil e estes se reconhecer, pois
sabemos que não são tratamentos apenas com os negros daqui de Salvador, porém
aqui tem um peso maior, somos a cidade mais negra fora de África que mais mata
preto, onde somos maioria em pessoas e na estática de assassinatos, mas estamos
sempre em minoria nos espaços, nos lugares de poder, na
universidade...
O livro tem algo de bem legal que coloca a
biografia de cada escritor e escritora em baixo da poesia, achei bem legal esse
tipo de arrumação do livro, assim como o “Prefaciando as poesias periféricas” que
se coloca e se apresenta de uma forma completamente diferente do que vemos em
outros livros, além de se colocar de forma diferente ele se reconhece e
valoriza este tipo de apresentação que não poderia ter sido melhor:
“Livro de poesia preta escrito por dedos
marcados da sobrevivência negra, fogo cruzado entre a mente e a caneta, o livro
é a favela, cada linha é um gueto; poesia de preto não é igual a soneto, serei
teu guia, te levarei segura(o), até a 150 e te trarei com vida, com algumas lesões
e reflexões acerca das feridas que estarão abertas a cada palavra lida. Chega
de baratino, entre que eu vou te apresentar o livro”
Todas as poesias do livro nos
refletem, é a nossa voz que está escrita, leia atentamente cada uma e prestigie
os e as nossas irmãs, divulgue, indique, presentei, seja uma multiplicadora das
nossas Escrevivências.
Termino esta resenha utilizando mais uma
vez as palavras do poeta Geilson dos Reis “Prefaciando as poesias periféricas”:
“Imbricada nas interfaces das vivências
que interseccionam corpos de pretas e pretos das favelas de Salvador, coletivos
de poesia, poetas e poetas das periferias que resistem e existem, denunciam e reagem
à violência do racismo, do machismo, e todas as fobias. Do genocídio e do
feminicídio gratuito do Estado brasileiro contra os corpos de mulheres e homens
negras(os)... espero que tenham gostado do passeio e leiam por mais de uma vez
esses poemas de gueto dos territórios negros. Ubuntu”
Cuidadosa e respeitosa leitura, delicada e muito linda.
ResponderExcluirParabéns pela resenha! Só uma correção: o nome do prefaciador é Geílson dos Reis. Para mim, este, juntamente com contemporaneidades Periféricas são os livros de 2018. Vale ressaltar também o trabalho primoroso de Valdeck Almeida de Jesus como organizador.
ResponderExcluirE que mais trabalhos venham juntar-se em nós, por nós e para nós. Porque é isso que nós somos, extensão d cada EU em todos NÓS. Obrigado, irmã! Umuntu Ngmuntu Ngabantu (Uma pessoa só é uma pessoa através de outra pessoa)
ResponderExcluir