Cidadã de segunda classe
Essa foi a segunda
leitura da escritora Buchi Emecheta e até então a última, pois só temos dois
livros traduzidos para a nossa língua, fico esperando ansiosamente pelas
próximas traduções para desfrutar ainda mais de uma escrita profunda, intensa,
em alguns momentos difíceis e outras sarcástica.
Uma mulher na
cultura da Nigéria não é considerada uma pessoa por isso não precisa estudar,
mas Adah sentia algo diferente, sentia o desejo de estudar para poder melhorar,
principalmente para melhorar a sua condição de vida. Então Adah contraria a
tradição e consegue estudar, mas vai arcar com todas as consequências dessa
escolha. A situação fica ainda pior quando perde seus pais, fica sem uma família,
mesmo tendo um irmão, porém com este não tem uma verdadeira ligação, só mais tarde
lá pro final do livro ele se posiciona de forma que eu particularmente aprovei,
apoiando a irmã independentemente do que tenha ocorrido.
Devido os estudos
Adah consegue alcançar lugares que para os negros são de difícil acesso, para
uma mulher negra de maior dificuldade, assim na Nigéria ela passa a ocupar uma
posição social e financeira muito boa, fica sendo bajulada pela família do
esposo e pelo próprio esposo, mas tudo muda quando vai para o tão sonhado Reino
Unido, em Londres ela passa a ser somente uma mulher negra sem valor algum, uma
cidadã de segunda classe.
Essa situação se
assemelha ao período escravocrata, quantas princesas e rainhas foram trazidas
para o Brasil e viveram como escravas, mas continuaram lutando como princesas e
rainhas?! Uma das diferenças das situações é que Adah foi para Londres
acreditando que iria melhor ainda mais de vida e também para alcançar a grande
ideia de um mundo melhor que pairava na Nigéria sobre o que era viver no Reino
Unido.
Em Londres além
dos conflitos que vai enfrentar com um lugar racista, machista e xenofóbico, ela
ainda vai lidar com o conflito de cultura que acontece tanto com seu marido quanto
com ela mesma, Francis apresenta uma personalidade perversa visto os relatos
que Adah faz no final do livro sobre situações que ele lhe contou, como por
exemplo, quando ele matou o macaco do amigo e bateu no cabrito do seu pai,
junto a isso tem a base cultural que concede permissão para que o marido possa bater
na esposa e ter outras mulheres, isso em Londres se apresenta de forma
diferente, não que não ocorresse tais vivências neste local, mas não era
permitido pela ideia cultural.
O outro conflito
que ocorre com a própria Adah é pelo fato dela trabalhar em uma biblioteca,
função que já ocupava na Nigéria, e ter acesso a uma informação completamente
diferente da que ela recebia em sua aldeia, no seu dia a dia, receber essas
duas informações e não ter com quem dialogar gerava uma dificuldade de
raciocínio para Adah. Em Londres ela conhece um colega da biblioteca que lhe
apresenta a literatura negra e ele acha estranho logo ela não ter um amplo
conhecimento sobre esta literatura, chega ser engraçado a branquitude cobrar de
nós algo que eles próprios tiraram e ainda se assustarem por não termos o que
era esperado.
O livro trata de
muitas outras questões, mas acho que para uma resenha esses são os principais
tópicos, além destas duas outras questões me chamaram a atenção por eu ser da
área da saúde, acho que esse olhar de fono sempre vai existir rsrs as situações
são a seguinte – a filha mais velha de Adah apresenta uma confusão de línguas,
seu pai obriga que ela fale apenas em inglês e não em iorubá, mas a criança
domina apenas uma língua e não tendo contato com outras pessoas da língua
inglesa não consegue aprender este idioma e mesmo quando passa a ter contato
sente dificuldade para se expressar nessa língua, por isso apresenta vários
episódios de mutismo que muito incomodam Adah.
A outra situação é
que quando Adah teve Bubu em uma das visita do médico com os estagiários ela
chora bastante e surge o comentário de que estava em depressão pós parto, essa
menção já precisa acender um pisca alerta vermelho para a medicalização da
saúde e principalmente para a medicalização do corpo negro, não estou dizendo
que depressão pós parto não exista, o que quero dizer é que o choro de Adah foi
motivado por inúmeras outras razões que nenhum dos presentes foram capazes de
procurar saber ou entender apenas não se importavam com o que uma mulher negra
africana estaca sentindo e logo lhe diagnosticam, pois é muito mais fácil assim
cumprir o seu papel e fingir que a situação está controlada.
Li cidadã de
segunda classe depois de ler as alegrias da maternidade e confesso que me
inquietou muito mais que a leitura anterior, ambos os livros são fantásticos,
ambas as personagens jamais vou esquecer, mas esse livro em especial me fez
sentir várias emoções durante a leitura e me fez gostar ainda mais da
escritora. Os dois livros foram recebidos da editora Dublinense.
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