Sobre o breve voo da borboleta e suas esquinas


Faz um tempinho que não escrevo alguma resenha, a última foi do livro Cidadã de segunda classe, tem alguns livros que são assim, antes mesmo de terminar de ler já estou querendo escrever sobre o livro, com outros livros a vivencia é um pouco diferente, são livros que ainda fico maturando dentro de mim por um bom tempo, este livro de Vânia Melo é um exemplo, o livro é composto por poemas curtos, porém a leitura deles precisa ser bem devagar.

Quando o livro chegou em minha mão pensei que não tinha capa, olhei o fundo também nada, então fui perceber que na capa tem exclusivamente o título do livro e o nome da escritora, o título está bem no meio como uma linha, com as letras do avesso, reviradas, ou ao contrário, passando a mão dá pra sentir melhor o título, na parte inferior da capa encontra-se o nome da escritora, este com as letras na posição mais comum da escrita, em ambos os casos todas as letras em minúsculo.

Isso me deixou ainda mais curiosa pra saber o que poderia encontrar dentro do livro, dá uma sensação de que naquele momento o livro ainda ainda não podia se mostrar por completo, por inteiro, era como se estivesse tímida para consigo e para quem estivesse lendo. Então você abre o livro e tem um contrate das folhas cinzas, bem clarinhas, e lemos a apresentação feita pela escritora Lívia Natália, que também se mostra de forma diferente, bem no centro do livro, ficando cada pedaço do texto em uma banda do livro, parecendo as duas assas abertas da borboleta.

A percepção que tive é de que aos poucos a poesia vai se mostrando pra gente, no início de forma tímida, se redescobrindo, se reconhecendo, digo isso porque em muitos casos a mulher negra primeiro se descobre a partir do olhar do outro, do olhar da branquitude que lhe oprime, a redescoberta já é a partir do seu próprio olhar, do olhar que não lhe acusa, ou lhe diz que está fora do padrão, ou que não é capaz. Obviamente esse próprio olhar só é possível dentro do processo de descobrimento da negritude, do empoderamento e da conexão com nossa ancestralidade e história.

Saio de casa, caminho
Cada passo me celebra.
Sou quem perdeu os medos
Poeta.
Não entendo chamar de meus
Os passos que se dão sozinhos
ateus.

Assim como na escrita percebemos a mudança da mulher que perde seu medo, suas incertezas do que faz, do que se é, e de suas formas, as páginas do livro acompanham se enegrecendo cada vez mais, deixando mais claras as letras e se mostrando ainda mais forte para a leitora, percebo que a mulher vai ficando mais firme, mais segura de si, por vezes pode até titubear, mas já está diferente e nada a faz retroceder para o ponto de partida.

Ela
Bota o salto que quiser
Pisa no pé de quem a julga
Seu sorriso moça
É louca gargalhada
Ácida e rouca
Suas aas se anunciam
Sua voz ecoa

Então durante todo o livro nos é apresentado a transformação da borboleta, sua metamorfose, temos o prazer de iniciar o livro com uma pessoa e terminar com outra, temos a felicidade de acompanhar a transmutação e no fim ficamos imensamente contente por essa renovação, redescoberta, renascimento.

Terminamos a leitura tendo certeza de que conhecemos uma mulher negra que é escritora, tem noção disso, não sente mais medo desta função, da sua vida, do seu modo de ser, de suas formas corpóreas, dos seus traços negroides e muito menos da morte. No livro também se fala sobre mortes, assunto tenebroso de ser tocado, mas necessário, pois se existe um renascimento foi porque existiu alguma morte seja física, mental ou espiritual.

Livre
Não se trata de ser vida sem roteiro
Voar borboleta o dia inteiro
Estar livre de ser cativeiros
De prisão que nos façam viveiros estrangeiros.
Quero qualquer coisa que pule esses muros,
Que nos salvem da morte de ser casulo.

Chegando na capa do fundo do livro nos encontramos novamente com o título, e percebemos que as letras aqui estão em sua posição mais comum, certinha, com o sobressalto das letras pra fora, se amostrando e tendo certeza de que está se amostrando, totalmente diferente do título da capa da frente que as letras têm um vazamento pra dentro e se apresentam de forma bem tímida.

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