Biografia do Língua


O livro é do escritor Mario Lucio Sousa que é de Cabo Verde, nação que foi colonizada por Portugal e que por isso também tem como língua oficial a língua portuguesa, porém com suas diferenças para com a nossa língua portuguesa brasileira, deste modo logo no inicio tem uma nota dos editores explicando que com a tradução de um português para outro português eles preferiram manter a ortografia como o autor escreveu, algo que achei maravilhoso e muito importante.

Confesso que esperava uma determinada história, mas com o passar das páginas ia percebendo que não correspondia em nada as minhas expectativas, porém conseguiu ser muito melhor do que eu estava esperando, foi uma surpresa muito boa, o escritor trouxe determinados assuntos do período escravocrata que pouco é explorado e talvez tenha sido isso que me surpreendeu, foi ele falar sobre um tema super conhecido, mas evidenciar nuances pouco mencionados.

O início da história é literalmente a biografia do período do nascimento até os 7 meses do Língua, vocês devem tá se perguntando o que dizer sobre os 7 primeiros meses de um bebê, pois minhas caras leitoras muita coisa tem pra ser dito e afirmo isso como fonoaudióloga, foi uma das partes mais fofas da história, relembrei muita coisa das aulas que tive sobre desenvolvimento da linguagem, talvez pra quem não é da área ou não trabalha com criança dessa faixa etária ou que não seja mãe, essa parte pode ser um pouco despretensiosa, mas o escritor descreveu de forma tão primorosa que vai fluir a leitura e não vai ser algo enfadonho, isso lhes garanto.

Língua, que na verdade se chama Esteban, já nasceu na condição de escravizado, no entanto apresentou uma única diferença dos demais escravizados que fez com que fosse planejado um outro destino pra ele, mas perante essa proposta alternativa (Só vai saber quem ler o livro - pensou que daria spoiler né?! Nada disso rsrsrs) Língua recusa e então o seu destino volta a ser o mesmo que qualquer outro negro escravizado, trabalhar na plantação e “viver” na senzala.

Aqui o escritor reforça dois pontos, a primeira é sobre escolhas, as escolhas que precisamos tomar e como elas atingem o coletivo, sendo que não é qualquer coletivo que vai influenciar, mas é a uma população em especifico - a população negra, essas são decisões que podem reforçar esse sistema de opressão que existe ou pode ir de encontro e produzir desestruturações nesse modelo que deixa o povo negro em posição de oprimidos.

O segundo ponto é quando ele fala sobre a grandiosidade de que é guardar segredo, sobre a importância de guardar um segredo para a sobrevivência, muito da nossa cultura ancestral só sabemos porque eles souberam guardar segredo, esconder, dissimular e hoje temos acesso e perpetuamos a nossa cultura, óbvio que muito ainda permanece em segredo e que assim seja, os tempos mudaram, mas os moldes de opressões continuam e isso traz este assunto para a nossa realidade atual, a importância de se guardar um segredo seja em qualquer época.

Por perceber coisas que os outros escravizados não percebiam, Língua decide fugir e vai “viver” na mata, só volta quando acontece o fim da escravatura, aqui o escritor vai focar em outros pontos que são pouco falados, o principal deles é sobre um vazio interno que fica latente nos negros ex escravizados, não digo referente ao trabalho, mas sobre a inquietação da existência.

Nesse caso Língua nunca conheceu a liberdade, nasceu sendo escravizado, ele precisou lutar por ela e se esconder senão perderia essa frágil liberdade, até que quando todos os negros deixam de ser oficialmente escravos surge uma outra frágil liberdade que o Língua percebe muito bem não ser uma liberdade boa, mas uma outra forma de prisão, então o escritor produz uma reflexão sobre essa situação que nos deparamos até hoje, nascemos em países que foram colonizados, que se sustentou num regime de mortes e estupros então qual é a nossa verdadeira liberdade?

O fim da história é lindo por demais, não vou contar pra vocês né!, mas posso afirmar com toda certeza que me deixou muito feliz, pra mim ficou uma perfeição, fiquei encantada com a história, em como o autor escreveu, na verdade em bom Falesiano refaço essa afirmação dizendo que fiquei encantada em como ele nos contou essa história e como conseguiu trabalhar a escutatória de uma leitora, super recomendo a leitura e que desfrutem bastante dessa linda obra. 

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