Cadernos Negros Volume 30 Contos Afro-Brasileiros


“Os cadernos negros são o reflexo da união e organização de um povo que tem a capacidade intelectual e artística de se expressar. É um fruto saudável, que temos a oportunidade de degustar, alimentando nossas almas com poemas e contos nascidos de mentes férteis e criativas, herdeiras do gênio africano contido dentro de cada um de nós. Basta procura-lo e, ao encontrá-lo, nos unimos todos ao Quilombhoje!” (Cosme Félix – Orelha do livro)

Soube da existência dos Cadernos Negros na pesquisa para saber quais livros de escritoras negras tinha disponível na biblioteca central (segunda publicação do blog), no sistema o livro está como autoria de Esmeralda Ribeiro, sendo assim pensei que fossem contos/poemas apenas dessa escritora, em março deste ano participei do encontro Lendo Mulheres Negras e aí pude perceber que o livro é a união de vários contos ou poemas de várias(os) escritoras(es), homens e mulheres negros (as). No final da resenha vou colocar os volumes que tem nas bibliotecas de Salvador com todas (os) as (os) escritoras (es).

O Cadernos Negros volume 30 livro tem 36 contos, de alguns autores tem mais de um conto, por exemplo, Mel Adún tem 5 contos nesse volume, achei o máximo uma mulher ter a maior quantidade de contos no livro, não fico feliz como se estivesse vencendo uma disputa, mas fico feliz por ser uma mulher negra nesse meio literário sendo bem reconhecida. Os contos que mais gostei foram: Afagos de Elizandra, Teresa de Maio de Lande Onawale e Conluio das Pedras de Cuti.

Teresa de maio narra um momento especifico de uma menina negra que não se reconhece na festividade da escola do dia 13 de maio, no qual é endeusado a princesa Isabel como sendo a salvadora dos negros escravizados. Só quando a palestrante Maria Mahin do Carmo, no dia 14 de maio, fala sobre Zumbi, quilombo e palmares ela se reconhece na história e fica feliz por ter se achado, por não estar mais perdida, além de perceber que não está mais sozinha. 

 “A palestra foi um rosário de surpresas. Não somos descendentes de escravos! Teresa olhava a diretora e os professores, aguardando contestações. Nenhuma reação.”

Esse conto me fez refletir sobre como a educação colonizadora oprime as crianças e adolescentes negros que não se veem na história do nosso país, a não ser que esteja falando do período escravocrata e aí sim podem até falar dos negros, mas sempre seguindo a lógica da branquitude.

“Ao sinal dele uma aluna branca, representando Princesa Isabel, levantava da primeira fila percorrendo a sala com um livro e uma grande pena nas mãos. Era uma caminhada solene, só interrompida quando chegava à frente da carteira de cada criança negra escolhida pelo professor.”

Não é à toa que nesse modelo de educação bancária (aqui recomendo ler Paulo Freire) e colonizadora os que ocupem as primeiras carteiras da sala sejam as crianças brancas, e no fundo ou espalhados pela sala os negros que não recebem muita atenção nem educação.

Conluio das pedras é um conto de uma narrativa de uma situação muito pesada e forte, contudo somos muito bem conduzidas pela história até entender toda a complexidade, e toda a profundidade, achei bem maestral a forma de condução.

Após sofrer com a violência policial, Malcolm resolve viajar para Salvador, aqui ele descobre o ilê ayê, começa a namorar e mais que isso ele se redescobre, é como se ele tivesse conseguido ter contato com a ancestralidade e se auto afirmado perante o sistema que tentou matá-lo.

É relatado que o filho e o pai a todo momento conversam sobre o racismo, e a posição que ocupa um homem negro na sociedade, mas a história mostra algo que nós negros sabemos muito bem, mesmo com a militância, mesmo com o conhecimento, quando somos vítimas da opressão nós caímos, adoecemos e sofremos, mas não devemos esquecer jamais de que muitos estiveram aqui antes da gente e que são esses que nos fortalecem, são os que abriram os nossos caminhos.

“Fui para a saída do Ilê Ayê! Rolou um axé, senti maior energia. Os caras representam mesmo o nosso pessoal [...] O importante é que eu estou ficando de boa. Você tá ligado que é o melhor pai do mundo.”

Afagos é uma narrativa tão amorosa, não apenas pelo fato de relatar um relacionamento amoroso e afrocentrado, mas por relatar como uma mulher negra sofre devido o padrão eurocêntrico e tenta se moldar, alisando o cabelo, se enquadrando nas vestimentas e no modo de ser, mas que em um determinado momento consegue romper com essa manipulação embranquecedora.

Dara conta situações acontecidas na escola onde foi completamente humilhada e apagada enquanto indivídua negra, em seguida conta como adentrou no mundo dos relacionamentos e como ela acredita que ela que é muito seletiva e por isso teve poucos namorados, mas em compensação teve muitos relacionamentos os conhecidos ‘nada sério’. Aqui fica nítido como Dara está presente na solidão da mulher negra de como foi estereotipada apenas como um corpo a ser usado, mas nunca ser a namorada a apresentar aos pais e familiares. Ela também conta como começou o relacionamento com um rapaz negro e como este a ajudou a se aceitar da forma que é, com a sua negritude, com a sua ancestralidade no nome e com o seu cabelo crespo.

“Na infância eu não gostava de pentear os cabelos. Não sei a razão, só lembro que minha mãe esticava bastante e tenho a impressão de que meus olhos tornaram-se meio puxados de tanto que ela escovava. Na época, era um sonho ter o cabelo levado pelo vento, mas ele vivia preso que nem pitbull. Passei a não gostar do toque, não sei, parecia sentir dor.”

Os volumes dos Cadernos Negros na Biblioteca central do estado da Bahia:

Cadernos negros 16 contos: Conceição Evaristo, Eliane e Eliete Rodrigues, Esmeralda Ribeiro, Sônia de Fátima, Aristides Barbosa, Cuti, Márcio Barbosa, Oubi Inaê.

Cadernos negros 17 poemas: Esmeralda Ribeiro, Jamu Minka, Miriam Alves, Oubi Inaê Kibuko e Sônia Fátima Conceição.

Cadernos negros 21 poemas afro brasileiros: Alzira Rufino, Carlos Correia Santos, Carlos Gabriel, Conceição Evaristo, Cuti, Domingos Moreira, Esmeralda Ribeiro, Jorge Siqueira, Kasaburu, Landê Onawale, Lepê Correia, Lourenço Cardoso, Marcos Dias, Miriam Alves, Sidney de Paula Oliveira, Suely Nazareth H. Ribeiro.

Cadernos negros 27 poemas afro brasileiros: Bas'ilele Malomalo, Cuti, Décio de Oliveira Vieira, Edson Robson alves dos Santos, Elio Ferreira, Esmeralda Ribeiro, Fausto Antônio, Helton Fesan, Jamu Minka, Lepê Correia, Luis Carlos de Oliveira, Márcio Barbosa, Oubi Inaê Kibuko, Sidney de Paula Oliveira, Suely Nazareth Henry Ribeiro.

Cadernos negros 29 poemas afro brasileiros: Ademiro Alves, Allan da Rosa, Andréia Lisboa, Carlos Gabriel, Cristiane Sobral, Cuti, Décio Vieira, Edson Robson, Edson Silva, Eduardo de Oliveira, Élio Ferreira, Elizandra, Esmeralda Ribeiro, Graça Graúna, Helton Fesan, Jamu Minka, Jônatas Conceição, Lande Onawale, Lourenço Cardoso, Luís Carlos de Oliveira, Márcio Barbosa, Mel Adun, Miriam Alves, Oubi Inaê Kibuko.

Cadernos negros 30 contos: Conceição Evaristo, Cristiane Sobral, Elizandra Souza, Mel Adún, Raquel Almeida, Miriam Alves, Esmeralda Ribeiro, Zula Gibi, Ademiro Alves (Sacolinha), Allan da Rosa, Cuti, Márcio Barbosa, Helton Fesan, Fausto Antônio, Henrique Cunha, Décio de Oliveira Vieira, Edson Robson Alves dos Santos, Lande Onawale, Luis Carlos Oliveira, Michel da Silva, Oubi Inaê Kibuko, Rosário Nigunza, Ruimar Batista da Costa, Sidney de Paula Oliveira, Lande Onawale.

Cadernos negros 33 poemas afro brasileiros: Adilson Augusto, Akins Kinte, Ana Celia, Claudia Walleska, Cristiane Sobral, Cuti, Décio de Oliveira Vieira, Edson Robson Alves dos Santos, Elio Ferreira, Elizandra Batista, Esmeralda Ribeiro, Flávia de Paula Martins, Jairo Nascimento Santos, Jamu Minka, Lepê Correia, Luís Carlos de Oliveira ‘Aseokaýnha’, Márcio Barbosa, Mel Adún, Miriam Alves, Ruth Saleme, Serafina Machado, Sidney de Paula Oliveira, Thyko de Souza.

Cadernos negros 38 contos: Alcidéa Miguel, Aline Soares dos Santos, Ana Fátima, Benício dos Santos Santos, Cristiane Sobral, Cuti, Daniel, Denise Lima, D’Ilemar Monteiro, Elaine Marcelina, Fátima Trinchão, Fausto Antonio, Hildália Fernandes, Jairo Pinto, Juliana Costa, Kasabuvu, Lepê Correia, Luiz Carlos Aseokaynha, Rosangela Nascimento, Samuel Bastos Neri, Silvana Martins.

Cadernos negros: os melhores contos:

Este é o único volume que está disponível em mais de uma biblioteca

Cadernos negros: os melhores poemas: Aberlado Rodrigues, Carlos de Assumpção, Celinha, Conceição Evaristo, Cuti, Éleg Semog, Esmeralda Ribeiro, Jamu Minka, Jônatas Conceição, Jorge Siqueira, Landê Onawale, Lepê Correia, Lia Vieira, Márcio Barbosa, Miriam Alves, Oliveira Silveira, Oswaldo de Camargo, Oubi Inaê Kibuko, Sônia Fátima, Teresinha Tadeu, Waldemar Euzébio Pereira. 
(Biblioteca central do estado da Bahia, biblioteca pública Thales de Azevedo, biblioteca infantil Monteiro Lobato, biblioteca Juracy Magalhães Júnior, biblioteca Juracy Magalhães Júnior Itaparica)


Comentários

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

    ResponderExcluir
  2. Olá, Laís! Sou amiga de Eliane Francisco, uma das autoras de "Cadernos Negros 16 Contos". Ao pesquisar sobre ela para publicação no blog entrefotoseletras.blogspot.com, descobri o seu blog. Incorporei o link de acesso a "Uma leitora Negra" em meu texto. Obg.

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

Literatura Infantil: 5 escritores negros baianos

Literatura negra erótica

Brincando de antigamente