Hibisco roxo - A religião da colonização


“Os efeitos da colonização branca na África podem ser mais penetrantes e devastadores do que imaginam a encomia e a sociologia. Na Nigéria dos celulares e da internet, o catolicismo de um grande capitalista, que oscila entre o altruísmo e a tirania religiosa e que rejeita as tradições de seu povo, ainda é capaz de assombrar a vida de sua família. Kambili, protagonista e narradora de Hibisco roxo, conta de que maneira seu pai vai lentamente destruindo a vida de todos com uma mistura de fé, pavor e superproteção.” (Sinopse do livro)

Uma das formas para manter a ordem é a religião, nesse caso, o catolicismo. Ao eleger uma religião para tal finalidade exclui todas as outras, sendo assim é preciso diz e fazer com que as outras religiões sejam consideradas erradas, ‘endemonizadas’ e profanas. Contudo, ainda assim tem algumas religiões que mesmo não sendo a eleita são mais aceitas do que outras, e se você reparar bem, olhar com atenção irá perceber que as mais atacadas e jamais aceitas são as religiões que representam o seu próprio povo.

Kambili é uma adolescente que frequenta a igreja, pois é obrigada pelo pai. Ela não demonstra não gostar de ir para igreja, ela não demostra não gostar da religião, o que ela não gosta é do modo que seu pai se relaciona com toda a família. Kambili não faz uma relação entre a religião e as atitudes de seu pai (Chimamanda deixa para que você leitora faça isso), até porque ela ama e a todo momento busca a aceitação do pai.

Roger Batisde explicita no seu livro, As religiões no Brasil, que para catequizar os negros os jesuítas partiram da ideia de que era preciso atrai-los pela música, dança, vaidade, amor aos títulos e cargos decorativos. Dessa maneira criou-se o catolicismo negro que se conserva dentro das confrarias e que não obstante, à unidade dos dogmas e da fé, apresenta características particulares.  

Essa caracterização do catolicismo se constituiu aqui no Brasil e até hoje se faz muito presente, principalmente aqui em Salvador. Contudo este não é o exemplo que temos no livro de Chimamanda, Papa, a forma que Kambili chama o pai, representa o negro que não percorre o catolicismo negro, ele se encontra completamente inserido no catolicismo branco. Repudia veementemente o seu próprio pai por considerá-lo pagão, mantem-se afastado e obriga o afastamento dos seus filhos. Papa sempre utiliza o seu pai como o exemplo que não deve ser seguido, como a pessoa que teve a chance de se regenerar, mas preferiu se enraizar ainda mais na sua própria cultura permanecendo no erro. 

Papa é um homem de origem pobre, mas que conseguiu ascender socialmente tornando-se um grande empresário de imagem respeitável, católico e muito culto. Papa, representa o negro que 'deu certo na vida', a história de superação que a branquitude utiliza para reforçar a meritocracia, sendo assim ele passa a ser a pessoa negra que determina se você é ou não aceitável, merecedor, e digno de ocupar posição igual a sua.

O que faz as pessoas serem submetidas a essa situação é a ideologia colonizadora que determina o padrão, fazendo com que esta seja a meta, sendo assim todas (os) irão passar a vida subjugadas buscando alcançar esse padrão, os poucos que conseguem passam a assumir outra posição, contudo continuam sendo subjugados, mas nesse caso esses serão os subjugados capitães do mato.

O personagem que mais me chamou a atenção foi o irmão de Kambili, Jaja, ele assim como Kambili ansiava pela aceitação do pai, mas na história ele já aparece como alguém que passou por uma mudança ideológica e que transita do estado de alienação para o de emancipação. Ele enfrenta em muitas situações o pai, e sofre duras repressões em todos os momentos. Kambili não entende porque o irmão faz isso, mas ela demonstra querer entender o porquê das atitudes do irmão. Na verdade, no fundo, lá no fundo mesmo, Kambili até compreende, porém se ela apoiar e também participar do processo emancipatório ela jamais será aceita e para sempre será deixada a margem.

“Viu, os hibiscos roxos estão prestes a florescer - disse Jaja quando saímos do carro. Ele estava apontando, mas eu não precisava que  fizesse isso. Já tinha visto os botões ovais e sonolentos no jardim   balançando ao sabor da brisa do fim da tarde.”

Ao meu ver o desabrochar dos hibiscos significa o ponto de mudança da família de Kambili, sendo que o florescer dos personagens, Jaja, Mama e Kambili, acontecem em momentos bem distintos da história. Não vou contar mais senão será tudo spoiler kkkk mas sinta-se à vontade de voltar aqui e dizer pra você qual o significado dos hibiscos.

O ápice na vida de Kambili é quando ela passa um período com suas primas, ela encontra um mundo completamente diferente do seu, não apenas no que diz respeito a condição social, mas também no que se refere as ideias que constroem a formação de suas primas. Nesse momento Kambili ameaça não consentir mais pela aceitação de seu pai, no entanto não foi nesse ponto que aconteceu a grande transformação de Kambili.

Pra mim esse torna-se o ponto chave da história. Não iremos ver o período de florescer de Kambili, o que vemos na história toda é o seu período de transição, é o seu início do processo de empoderamento, o início do florescer. Terminei o livro acreditando que Kambili viverá dias melhores, dias dos quais ela irá conseguir compreender toda sua história e passará a ser a protagonista da sua própria vida.

Fala de Kambili ao sair da prisão com sua mãe: “Estou rindo. Coloco o braço em volta do ombro de Mama e ela se recosta em mim e sorri.”

Me intrigou a narradora ter sido a Kambili, teria sido mais fácil o narrador ser o irmão, a história seria contada de forma mais direta e com uma contundente criticidade. Acredito que Kambili representa o ponto de vista de alguém que passa por um lento e demorado processo de empoderamento. Penso que ela representa aqueles que são mais difíceis de serem acessados, são aqueles que parecem que jamais irão conseguir romper com as prisões da colonização, no entanto são esses que mais devem ser olhados por nós e mais acolhidos.

Li esse livro em PDF, foi uma leitura tranquila de manter a sequência, apesar da obra se tratar de um assunto pesado. Foi a segunda obra que li de Chimamanda, a leitura que faço dela é bem diferente das outras escritoras negras que já li, percebo uma certa suavidade na sua escrita, uma linguagem muito acessível pra qualquer pessoa que for ler. Confesso que prefiro as escritas mais fortes, tipo - Carolina, Toni e Conceição, mas reconheço que Chimamanda é a brisa nos tempos de tempestade que precisamos.

Esse livro é de minha irmã, peguei só pra tirar as fotos kkkk

REFERÊNCIA:

BASTIDE, Roger. As Religiões Africanas no Brasil Contribuição a Uma Sociologia das Interpenetrações de Civilizações. Disponível em <http://www.do.ufgd.edu.br/mariojunior/arquivos/roger_bastide_religioes_africanas_brasil.pdf>

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