Retrospectiva de uma trajetória de ações afirmativas precursoras à lei nº 10.639/03


Antes de tudo quero deixar registrado que esse livro é necessário para todos os profissionais da área da educação e pros profissionais da saúde que atuam na educação. Todos deveriam ter acesso ao conteúdo que compõe esse livro.

O livro é separado em 3 grandes capítulos, o segundo capitulo intitulado - Os Escritos Acadêmicos, é o maior de todos, confesso que foi nesse capitulo que parei um pouco e demorei bastante de ler, pra mim ficou um pouco cansativo porque muitos artigos tinham o mesmo objetivo, os mesmos dados e acabou ficando repetitivo, as vezes lia algo e pensava “será que tô lendo novamente esse trecho ou já li antes?” quando voltava as folhas perceberia que tinha a mesma mensagem em trechos anteriores. Porém isso não diminui em nada a grandiosidade dessa obra, e como o objetivo central do livro é reunir todos os trabalhos da professora Ana Célia acabaria tendo escritos repetido mesmo.

O primeiro capitulo intitulado – Meus Artigos Militantes, é uma parte muito linda, conseguimos ver a produção literária de Ana Célia, os seus poemas publicados nos cadernos negros, essa é uma visão diferente sobre a professora, já que o comum é que os trabalhos acadêmicos tenham uma maior visibilidade na vida de Ana Célia.

O terceiro capitulo intitulado – Movimento Negro no Brasil: Uma Trajetória, é uma parte essencial para todos os militantes, não podemos estar na militância sem ter conhecimento do que os nossos mais velhos já fizeram, produziram, lutaram e conquistaram, precisamos reconhecer, agradecer e dar continuidade ao que foi feito, e muito já foi feito, e além disso precisamos aproveitar os que ainda em vida compartilham toda essa experiência conosco.

O que me chamou muito a atenção nesse terceiro capitulo é sobre o movimento negro na Bahia, normalmente os militantes aclamados e referências são os estrangeiros, poucos são brasileiros e do nosso próprio estado é mais raro ainda. Resgatar essa história e lembrar que na cidade mais negra fora da África a luta sempre existiu e ainda continua em vigor.

No final tem uma parte que acredito que os educadores irão adorar, eu adorei, é o anexo: Cadernos de Educação Pluricultural, nele tem diversas atividades que podem ser realizadas com os alunos em sala de aula e que abrangem as disciplinas tratadas nas escolas. Esse modelo de educação cartesiana e bancária é da cultura ocidental europeia, os modelos de educação em África e indígena não separa em caixinhas os conteúdos, mas veem a totalidade dos ensinamentos, ao tratar das questões de raça nas escolas é possível também trazer essa perspectiva de ensino.

Todos os artigos, dados, e as atividades, são furto dos projetos de mestrado e doutorado da professora Ana Célia, ela relata tudo isso no livro e percebemos como foi difícil falar no meio acadêmico sobre raça, racismo e fazer pesquisas sobre isso, inclusive até hoje ainda temos esse ranço presente nas academias que oprimem e tentam podar todo tipo de pesquisa de pessoas negras que queiram falar sobre raça ou racismo.

Um dos temas que mais gostei foi quando Ana Célia traz a teoria para explicar o porquê de algumas reações de alunos que não se encaixam nos moldes das escolas. Quem normalmente está nas escolas públicas são crianças e jovens negros e pobres, ou seja, são corpos negros muito mais fácies de serem medicamentados. Por isso chove diagnósticos de déficit de atenção, hiperatividade, tdah, dislexia, todos esses diagnósticos que são questionados por uma vertente de profissionais e pesquisadores da área da educação e saúde, inclusive eu.

Como esses alunos não se veem representados nem inclusos nesses ambientes eles preferem ser os que faltam aulas, os baderneiros, ou os que se calam e aceitam o que está acontecendo, e sobre essas reações vão surgir os diagnósticos como formas de normatizar corpos negros dentro das escolas.

“Uma escola assim, que apresenta a criança negra e o seu mundo de forma negativa, distorcida, não pode atrair essa criança. A rejeição e a violência simbólicas impostas pela escola são introjetadas e a criança reage rejeitando essa escola e seu conteúdo humilhante. Surgem então os fenômenos da repetência e evasão, traduzidos com incapacidade, desnutrição, má orientação da família, mas nunca como incapacidade da escola. Quando não evade, a criança tenta superar a imagem negativa imposta através de atitudes agressivas, exibicionistas. As menos insurgentes deixam-se cair na mais profunda inibição e silencio”

Por fim trago a principal questão tratada no livro e no trabalho acadêmico de Ana Célia, a proporcionalidade de imagens de pessoas negras e brancas que compõem o livro didático e em qual posição, situação elas estão.  Na sua pesquisa ficou provado que no livro didático imagens de pessoas brancas eram as imagens de superioridade, nas consideradas melhores profissões, em estado de felicidade, ou seja, o ideal da humanidade, já a imagens de pessoas negras eram relacionadas ao período da escravização, ou em situações humilhantes, representando a desumanização.

Isso demonstra como essa também é uma das estratégias do genocídio do povo negro, criar a ideia de inferioridade e submissão desde o período da infância em crianças negras, essa é uma das mortes que o povo negro enfrenta diariamente, além da morte física. Ana Célia a todo momento levanta a bandeira de que os educadores precisam e podem mudar esta realidade, e junto com ela eu também acredito que podemos mudar essa situação.

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