Meu crespo, nossa história

Li o livro Meu crespo, minha história esse ano (2020), mas adoraria ter lido no período que estava em transição capilar, como teria sido diferente e menos doloroso esse momento na minha vida. Faz 3 anos que finalizei a transição e estou extremamente melhor com o meu cabelo natural, e digo melhor principalmente no que se refere ao emocional, foi uma grande e acertada mudança que fiz.

Durante a leitura pude me enxergar em muitos dos depoimentos, as vezes parecia que estava me lendo. A teorização sobre o assunto transição capilar é importantíssima, porém dialogar com as e os que passaram por esse momento se faz necessário, para que sirva de conforto aos envolvidos e também que seja exemplo para os que estão em transição ou que querem começar.

O livro surgiu da página no instagram Cachos da negra, as e os seguidores enviaram para as administradoras do perfil os seus depoimentos, as administradoras são duas irmãs gêmeas que passaram pelo processo de transição, sentiram falta da representatividade nas redes sociais e criaram esse espaço para a troca e compartilhamento das diversas vivências referente ao cabelo cacheado e crespo.

Os depoimentos foram de vários estados do Brasil, a maior parte foi de Minas Gerais, seguido de São Paulo, da Bahia teve 4 depoimentos e alguns não colocaram a referência da cidade. A maioria dos depoimentos foram de mulheres, só teve dois depoimentos de homens, o que achei bem pouco, mas acredito que tenha sido devido ao ano (2016), hoje em 2020 já temos muitos homens nas redes sociais falando sobre cabelo crespo e cacheado e compartilhando suas experiências, talvez se tiver uma nova edição do livro esse número de depoimentos de homens possa ser maior.

Os depoimentos que mais me chamaram a atenção foram os das mães, estas contam que o principal motivo da transição foram as suas filhas, todas tinham o mesmo propósito, serem a referência estética para as suas filhas, pois a referência de cabelo crespo nas mídias ainda é pouco.

A figura mãe aparece em outros depoimentos também, em alguns como sendo a que não apoiou a transição, outras como sendo a que apoiou o processo. Percebe-se que a família, influência de forma direta na construção da identidade estética do indivíduo, quando essa família contribui para o desenvolvimento e as possibilidades de mudanças da pessoa, um momento como a transição capilar torna-se algo tranquilo, quando esta não auxilia dificulta ainda mais o momento.

No meu caso não tive o apoio de mainha, teve um dia logo no início da transição que ela chegou a dizer que me deserdaria se o cabelo que nascesse fosse pixain, pois ela não ia ter filha de cabelo duro, ainda hoje ela não concorda com a minha atitude, ainda acredita que no mercado de trabalho o meu cabelo é um grande empecilho. Tive apoio de minha irmã que também teve o seu momento de mudança alguns anos depois de eu ter feito a transição.

Eu fiz transição aso poucos, nesse período pintei cabelo por um período de azul e outro verde, fiz tudo para não chamar a atenção para a transição, isso fez com que as pessoas só percebessem que eu tinha feito a transição realmente no fim quando apareci com o cabelo black.

Eu só escovei o cabelo umas duas vezes e odeie o resultando, mainha não deixava escovar dizia que ia estragar o cabelo, então eu só alisava, usava amônia, desde muito nova, nem lembro quando comecei, antes da transição nem lembrava como era o meu cabelo, de 6 em 6 meses ia pro salão, dava a amônia e usava o bigudinho pra deixar o cabelo cacheado. Chegava no salão às 6 da manhã e só saia 15 da tarde com um cabelo sem volume nenhum e cacheado.

Por não escovar o cabelo, a chuva nunca foi uma preocupação, o que me deixava aflita era quando começava a nascer o cabelo sem a química, ficava louca e sem possibilidade de alisar, pois ao alisamento era muito caro, nesses períodos ficava com o cabelo em rabo de cavalo ou coque, mas jamais deixava ele solto. Já deixei de ir pra festas porque não tinha alisado o cabelo e me achava extremante feia.

Toda a transição foi durante a graduação, na universidade participei do movimento estudantil, lá comecei a ter o interesse por um cabelo que fosse realmente meu, que me identificasse, que mostrasse quem eu sou, assim cheguei nesse momento de mudança que levou 1 ano.

Hoje sou extremamente feliz com o meu cabelo, me dou super bem com ele, venho aprendendo cada vez mais em como lidar com ele e inclusive já corto ele sozinha. Fico ainda mais feliz quando consigo proporcionar conforto e auxiliar na transição de alguma paciente ou conhecida que se influencia na minha história ou no meu próprio cabelo.

Chegamos em um momento muito importante de ver crianças amando seu cabelo desde muito novas, sem nem pensar em alisar ou escovar, assumindo o cabelo cacheado, crespo, de todos os tipos e números de cachos, acredito muito que essa geração com certeza vai fazer muita revolução.


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