Bem-vindos ao paraíso de Nicole Dennis-Benn

O paraíso é a Jamaica, mas bem que podia ser Salvador ou alguma outra cidade litorânea do nosso país. Aquelas cidades onde o turismo é bem visto por exercer um grande poder econômico para uma minoria, enquanto a maioria estão em situações precárias de vida e dignidade, servindo nos subempregos para manter a cidade turística funcionando.

Muito se fala de como a literatura do grande Jorge Amado incentivou o turismo sexual, mas na literatura foi a primeira vez que vi sendo pontuado sobre o turismo sexual e fazendo isso de forma racializada, pois sabemos muito bem quais são os corpos e suas cores que se prostituem para conseguir o mínimo de renda para a família, além de mostrar quem são as pessoas que ficam nos segmentos do ‘entretenimento’ dos turistas, na obra temos as mulheres e homens do mercado e em Salvador temos as baianas, os capoeiristas, os rastas-hippes.

Outro tema que Nicole Dennis-Benn aborda e é muito caro para a população negra é sobre o embranquecimento por produtos químicos, já tinha assistido um documentário nigeriano intitulado Skin de 2019 produzido pela Be Naya Productions, com direção de Daniel Etim Effiong na netflix, ao ler na obra essa mesma temática me assustei, pois não pensei que esse processo de genocídio já estivesse  fora do continente africano de tal forma, no fundo eu sabia que isso não se resumia somente em África, mas ler sobre te leva para outra dimensão e faz refletir de como as mesmas armas que mata o meu povo ainda está em vigor.

Nicole aborda temas extremamente delicados, outro tema é sobre a homossexualidade das mulheres negras, ainda hoje, século XXI, ano 2023, temos estupro corretivo de mulheres lésbicas, temos pessoas negras sendo expulsas de casa por se reconhecem e não serem aceitos pela família dominada pelos valores cristãos, temos o medo que permeia e impacta a relação das pessoas negras homossexuais.

Todos esses temas são detalhados de forma incrível durante a obra, Nicole tem o cuidado de apresentar as pessoas negras sendo atravessadas pelas opressões raciais, de gênero, de classe sem conceder o falso lugar de vítima, sem colocar no lugar do mocinho ou mocinha do romance, mas de estar construído na sua totalidade humana, e como humanos estão suscetíveis aos erros, a machucar o outro, a não saber lidar com as situações, a também reproduzir opressões.

Retirar a humanidade das pessoas negras foi o primeiro passo dos colonizadores, colocar o negro no lugar do animal possibilitou que pela igreja e pelas ‘leis’ fosse legal a escravização, dessa forma reivindicar a humanidade das pessoas negras, não pela perspectiva ocidental, mas pela nossa perspectiva africana se faz necessária e essencial para realizarmos a Sankofa, retornar ao passado e pegar o que foi esquecido.

Margot, Thandi, Verdene, Delores, Jullette, todas mulheres negras jamaicanas com tonalidades de negro diferentes nos levam a refletir sobre nós mesmas, mulheres negras em outros países no qual passamos por opressões semelhantes. A leitura do livro foi continua, não tive dificuldade em manter o ritmo ou a sequência, mas confesso que esperava um pouco mais do final, que tivesse sido mais detalhado assim como foi a história toda, apesar desse único aspecto, eu me apaixonei pela escrita e a forma de narrar da escritora Nicole Dennis-Benn, e super recomendo que vocês também se apaixonem.

 

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Literatura Infantil: 5 escritores negros baianos

Literatura negra erótica

Brincando de antigamente