A terra partida - A quinta estação (vol. 1)

 

Damaya, Syenite, Essun, Alabaster, Corundum, Nassun todos eles são orogenes, não são considerados humanos, são anormais, não podem viver em sociedade, devem morrer, mas se forem viver entre os humanos devem ser treinados e domesticados, os que ousam fugir a esse destino pagará com a morte causada por um guardião.

É assim a vida dos Orogene em Quietude, em Tirimo e no Fulcro, mas para quem ainda não leu o livro esses nomes podem soar estranhos mesmo e até para quem está lendo pode ser um pouco confuso, por isso no final da história tem dois apêndices, o primeiro com um catálogo das Quintas Estações e o segundo com um glossário de termos comumente usados em todos os distritantes da Quietude, no glossário tem descrito o termo orogene e orogenia que trago para vocês.

Orogene: pessoa que possui orogenia, quer seja treinada ou não. Forma pejorativa: rogga. (N. da T.: Para criar esse neologismo, a autora se inspirou na palavra “nigga”, criada a partir de “nigger”, termo usado nos Estados Unidos para se referir aos negros que foram escravizados. “Nigga” é considerada é considerada uma palavra extremamente ofensiva.)

Orogenia: a habilidade de manipular energia termal, cinética e formas de energia relacionadas para lidar com eventos sísmicos.

Antes de ler a obra já tinha ouvido muito sobre ser um livro de uma escritora negra muito aclamado e por abordar a temática racial, quando comecei a ler concordei em ser um livro excelente, adorei os personagens serem negros, mas ainda não percebia a crítica social e racial na história até que com o decorrer da leitura fui percebendo a sutileza da autora ao tratar tal temática.

Antes de chegar ao glossário já é possível perceber como mesmo pontuando a cor da pele, as características físicas e fenótipos dos personagens espalhados pelo continente a autora vai apresentar a opressão racial  na caracterização dos orogenes, ou seja, os orogenes não são considerados humanos, assim como os negros não foram considerados humanos e desta forma a igreja e as “leis” permitiram a escravização para salvar as suas almas e para se proteger destes selvagens, assim como a famosa história de Anafumeth e Shemshena contada pelos guardiões.

Essa história nos mostra como pessoas negras crescem ouvindo e vendo de forma depreciativa a história do seu povo, assim como os orogenes são ensinados de que são Anafumeth, um assassino e insano, dessa forma as pessoas negras ao querer alcançar o lugar da humanidade tentam tornar-se brancos, assim como Damaya quis muito ser a salvadora Shemshena. Esse é um processo de alienação já descrito por muitos teóricos negros como a psicanalista Neusa Santos Sousa e o psiquiatra Franz Fanon, super recomendo a leitura de ambos.

Mas nunca que as pessoas negras aceitaram de forma passiva tal opressão, muitas revoltas, rebeliões e atualmente os coletivos, associações, grupos, os vários movimentos negros conseguem atuar e contribuir para a quebra dessa alienação, assim como Alabaster na vida de Syenite, em especial quando ele desconstrói a história de Anafumeth e Shemshena.

Outra critica social que é abordada na obra é como o homem lida com a natureza, sabemos que os povos originários, indígenas e negros, sempre apresentaram uma relação de igual para com a natureza, nunca foi de hierarquia para usá-lo, contudo os homens do ocidente desde sempre se relacionaram com a natureza para dominar e com isso precisam lidar com as inúmeras respostas da natureza ao uso perverso e capitalista que fazem de si.

“Então, as pessoas começaram a fazer coisas horríveis ao Pai Terra. Elas envenenaram as águas até mesmo para além da capacidade que ele tinha de limpar, e mataram muitas das outras formas de vida que viviam em sua superfície. [...]” (trecho do livro)

A leitura da obra foi de uma grande surpresa, em especial pela alternância das histórias contadas das personagens, ora estamos lendo sobre Damay ou Syenite ou Essun, mulheres extremamente fortes que só chegando perto do final desse primeiro volume entendemos a forma que o narrador escolheu para apresentar cada uma, essa maneira inovadora de narrar e de contar a história me prendeu do início ao fim e me fez ansiar pelos outros dois volumes da trilogia.

E já próximo do fim observamos uma intertextualidade que pode ser considerada uma inspiração e até mesmo homenagem, observamos a ação de Syenite com seu filho Coru similar a relação de Sethe com sua filha na obra Amada de Toni Morrison, não posso contar além disso para não dar nenhum spoiler, recomendo que leiam as obras rsrs

Bom, A quinta estação é o primeiro volume da trilogia A terra partida, já nesse inicio a autora nos encanta com sua potente forma de escrever e narrar, logo mais eu volto para resenhar para vocês o segundo volume - O portão do obelisco e também o terceiro volume - O céu de pedra, enquanto isso, leiam as obras de N. K. Jemisin.

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