Cadernos Negros Os Melhores Contos


“A tradição africana no Brasil é rica em sua vertente narrativa. Entretanto, nos contos da maior parte dos quarenta e cinco autores que, durante esses vinte anos, publicam na série, a tradição cede lugar para a perspectiva contemporânea e passa a sobreviver em seus interstícios temáticos ou na concepção estrutural do texto. É assim, por exemplo, que a oralidade sobrevive na escrita.

A antologia que agora se publica procura apresentar ao leitor os pontos altos da elaboração textual surgidos na série Cadernos Negros, constituindo-se uma aventura de prazer e descobertas.” (Cuti - Introdução)

Como esse é o quarto livro de CN que leio e ele faz uma seleção dos contos já publicados, alguns contos deste livro já tinha lido em volumes anteriores, o mesmo aconteceu com o conto de Conceição Evaristo que já tinha lido em Olhos D’água. Mais uma vez fiquei ansiosa pelo conto de Cuti e achei maravilhoso o conto.

Muitos contos tinham em sua história a morte, seja ela em assassinato ou suicídio. Cada conto me surpreendia em como a morte a aparecia e fazia a sua lida. Todas as mortes me chocaram bastantes, principalmente os feminicídios.

O primeiro conto, A casa de Fayola, já me deu um baque muito grande, fiquei com tanto ódio de Alexandre e até mesmo do escritor Abílio Ferreira por ter me feito sentir ódio logo no primeiro conto. O que me surpreendeu nesse conto que além de ter sido escrito por um homem o personagem principal é Alexandre, o narrador não é Alexandre, mas este segue Alexandre durante a história, e mesmo assim o conto não fica em cima do muro ou justifica o assassinato, ele deixa bem nítido o feminicídio e a completa culpa de Alexandre.

O Dossiê Violência Contra as Mulheres trás os dados de que em 2015 O Brasil ocupava a quinta posição em um ranking de 83 nações. Eu nem quero imaginar qual posição agora em 2018 o Brasil deve estar ocupando. Vou deixar o link nas referências para vocês lerem melhor sobre o que é feminicídio e como está a situação no nosso país.

O extermínio da população negra e a saúde mental da população negra é tema de muitos debates e discursões, isso é muito bom para poder compartilhar ideias e conhecimentos além de formular estratégias para o povo preto se proteger e continuar lutando. Eu como uma trabalhadora da saúde sempre tento pautar o tema da saúde mental da população negra, e lembro da Lei Orgânica da Saúde 8080 que diz em um dos seus artigos quais são os condicionantes para a saúde: a alimentação, a moradia, o saneamento básico, o meio ambiente, o trabalho, a renda, a educação, o transporte, o lazer e o acesso aos bens e serviços essenciais.

Agora me responda, para uma população que lhe foi cerceado tudo isso é possível ter uma boa saúde mental? Ou quem dirás alguma saúde mental? Chegando à conclusão de que nossa saúde mental foi destruída precisamos procurar meios e estratégias para cuidar de nós mesmos.

Dentro da saúde temos a PNSIPN – Política Nacional de Saúde Integral da População Negra, que tem como objetivo falar sobre racismo, racismo institucional, além de propor meios de superação e de acolhimento a população negra nos serviços de saúde. Fiz um curso EAD sobre saúde da população negra pelo Ministério da Saúde que tinha como base teórica esta política, percebi que a política tem uma linguagem acessível, o curso todo foi bem didático e para as profissionais de saúde se faz necessário conhecer tal instrumento que pode ser usado por nós mesmos na prática profissional.

“O texto da PNSIPN indica os inúmeros condicionantes sociais dos agravos à saúde da população negra, trazendo os números que nos fazem ver e sentir como estamos mais propensos aos riscos de mortes e doenças. As iniquidades que sofremos, reveladas no relatório da PNSIPN, são decorrentes desse estado contínuo de exposição ao projeto de extermínio, ao deixar morrer da biopolítica a que estamos submetidos, marcam insidiosamente nossa saúde física e mental e modulam nossas experiências de “nascer, viver, adoecer e morrer”

Sendo assim, me digam, quando um negro comete suicídio foi ele mesmo que apertou o gatilho? Quando uma criança negra se envenena foi ele mesmo que se matou? Quando um negro tenta parar a dor matando alguém foi ele mesmo que matou? A lógica do extermínio é muito perversa, funciona por meio das chacinas, genocídios e outros, mas também temos os próprios negros se matando, não por vontade própria, mas por indução e consequentemente tornando-se mais um número pra estática do extermínio da população negra.

Terminei o livro e todas essas inquietações permaneceram em mim, realmente este CN tem os melhores contos, não desmerecendo os outros contos. Desejo muitos anos de vida a esta produção para poder produzir muitas mais inquietações em cada leitora e leitor. Para produzir mais escrita negra e acolhimento, porque um livro com várias escritoras e escritores negros é sim uma revolução. Vida longa aos Cadernos Negros!



Referências:
Santos, Abrahão de Oliveira. Saúde mental da população negra: uma perspectiva não institucional. Disponível em:<file:///C:/Users/ivone/Downloads/583-1-1062-1-10-20180403.pdf>

Feminicídio. Disponível em:< http://www.agenciapatriciagalvao.org.br/dossies/violencia/violencias/feminicidio/>

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