Africanidades e Relações Raciais: Insumos para Políticas Públicas na Área do Livro, Leitura, Literatura e Bibliotecas no Brasil


Pretendemos, com este Africanidades e Relações Raciais, produzir um diagnóstico robusto da realidade sociocultural do setor livro, leitura, literatura e bibliotecas no Brasil, transversal pelas dimensões de raça e africanidades. Queremos mapear quem somos, como estamos e o que queremos ser. De maneira rica, diversa e contributiva. Intentamos, de um lado, como vem sendo feito nos Planos Setoriais de Cultura, detectar fragilidades, obstáculos e desafios por superar, e de outro, salientar oportunidades, vocações e potencialidades a serem trabalhadas. Nossa missão institucional é elaborar políticas públicas viáveis e trabalhar com afinco para ampliar o número de atrizes e atores socioculturais envolvidos em sua execução. Ao concretizar esta publicação, estamos traçando um caminho, planejando. (Cidinha da Silva)

O livro Africanidades me chamou bastante atenção principalmente pela capa, estava exposto na estante de consulta da biblioteca central (barris), peguei para folhear quando vi que a organizadora do livro era Cidinha da Silva, achei isso maravilhoso e logo quis pegar emprestado pra ler. O livro é um pouco grande e juntando com as demandas da vida acabei atrasando a devolução em alguns dias, contudo graças a Jah a biblioteca está em um processo de anistia e perdoou a minha pequena dívida kkkkk Mas vamos ao livro em si...

Achei muito bacana o modo que o livro foi estruturado e dividido, foi muito bem pensado, o livro fala sempre na dimensão de política públicas sobre a produção e publicação de livro, bibliotecas, ambiente escolar e muito mais, eu sendo apenas uma leitora que não está envolvida em nenhum destes espaços consegui compreender todo o livro devido a linguagem acessível que eles usaram, isso significa que qualquer pessoa pode ler e entender o que o livro defende e propõem.

O livro traz muitos exemplos de bibliotecas comunitárias, algo que me deixou bem contente, o mais bacana é que são os próprios criadores destes projetos que falaram sobre os seus projetos, são iniciativas de bibliotecas que estão dentro de um bar, de biblioteca que ajudou a estruturar o SLAM que ocupa com vida a praça da favela. No final dos capítulos ele expõe muitas dicas e sugestões no campo da política pública.

Outro ponto que ele toca é sobre a literatura no âmbito escolar, desde o porquê a literatura afro-brasileira ou literatura negra ou literatura negro-brasileira não está presente na grade curricular, mesmos com uma lei que decreta o ensino da cultura afro brasileira, até como é possível mudar para que esta literatura adentre as salas e corredores da escola. Toda terminologia que eles usam eles explicam os conceitos sempre demonstrando para a leitora o porquê de estarem usando tais termos e nomeações, achei bem cuidadoso da parte de todas que construíram o livro.

Um dos assuntos que eles explanaram e que nunca tinha passado por minha cabeça é sobre a literatura no sistema prisional. Todos os assuntos que eles apresentam são tratados de uma forma bem realista, o que me fez ficar admirada por esta produção, eles não apresentam a literatura no sistema prisional como a salvadora da pátria e que irá transformar aquele território em um castelo de contos de fada, ele revela a verdade daquele espaço e de como a literatura pode contribuir para uma ideologia de vida que ultrapassa os muros da penitenciária.

No livro também tem uma grande presença do Cadernos Negro do Quilombhoje, que falou sobre os 37 anos de luta, sobre a divulgação e produção dos livros Cadernos Negros e também pelas diversas citações de Cuti (pseudônimo de Luiz Silva). Mais uma vez isto demonstra a força e importância deste projeto para a literatura negra no nosso país, e mais uma vez fico imensamente admirada do poder e resistência deste coletivo de escritoras e escritores negros. Vida longa aos Cadernos Negros!

O livro termina com chave de ouro, o último capitulo é um presente para as leitoras, o capitulo é intitulado - Uma Canção para Duas Escritoras de Sobrenome Jesus: Maria Tereza e Carolina Maria, o primeiro texto é de Cidinha da Silva que faz uma bela homenagem a Maria Tereza Moreira de Jesus, que inclusive é a linda mulher que está na capa. O outro texto é sobre Carolina Maria de Jesus o qual também fala sobre o centenário de nascimento da autora.

No livro tem muito, muito, muito mais do que eu estou dizendo aqui, pincelei alguns pontos que mais me tocaram e chamaram a atenção, o livro é de uma riqueza imensa, recomendo a todas a leitura.

Vou acrescentar alguns trechos do livro:

“(...) as barreiras impostas pelo sistema escravocrata para a alfabetização dos escravizados, e posteriormente dos libertos, não impediram os usos da língua oral e escrita por negros. As primeiras manifestações de uma imprensa negra surgem poucos anos depois da abolição, por volta de 1915; nos anos 1940, a literatura era um importante instrumento de luta e a língua escrita já exercia papel fundamental na militância negra. Nos anos 70 os autores negros "assumem a Literatura como discurso principal, definindo-a em torno de uma "militância ativa da palavra" ou de um "ativismo negro-literário" (Silva, 2011). Desde então temos uma expressiva produção literária negra, ainda desconhecida, e crianças e jovens negros permanecem não se reconhecendo nos currículos eurocêntricos das escolas brasileiras.”

“Africanidades é uma categoria que compreende e se compreende a partir do mundo cultural africano-diaspórico na superação do racismo e na produção de uma nova regra de justiça social e subjetiva. É insurreição social e fluidez literária e, assim, vale-se de seus dispositivos ancestrais (beleza, ritmo, gênero, religiosidade, negociação, ginga, encantamento, sagacidade, diversidade, inovação, traição, mito, rito, corpo, poética e contemporaneidade). Africanidades são um (re) - encontro consigo mesmo, na dimensão coletiva da vivência ancestral, que tanto nos atravessa quanto tecemos nas micropolíticas do dia a dia e na macroestrutura do enredamento tempo-espaço.”

“Audre Lorde, quilombola feminista norte-americana, já dizia no artigo de 1977 Poesia não é luxo, que a nossa poesia é necessidade vital para mulheres que estão em luta contra uma estrutura social racista, machista e patriarcal. Segundo Lorde, nossa poesia é iluminação, uma luz capaz de nomear e dar forma aos sentimentos, histórias, tradições e ideias estranhas ao mundo branco ocidentalizado. Nas palavras dela: "Os pais brancos dizem: Penso, logo existo. A mãe negra dentro de cada uma de nós, a poeta ou poetisa, murmura em nossos sonhos: Eu sinto, logo eu posso ser livre."”


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