Cada tridente em seu lugar e outras crônicas

“Para bem falar de Exu - não seria louca de falar mal – é preciso ser iniciada, saber segredos que como tais não devem ser revelados. Então, caro leitor, sinto-me mais à vontade para mexer com o tridente de Netuno (patrimônio cultural da humanidade que a mim também pertence) e, mineiramente, deixo quieto o tridente de Exu. Arma por demais poderosa que funciona por eletromagnetismo. Sou maluca de colocar um negócio desses na minha cabeça?” (Cidinha da Silva)
                                                        
Esse foi o primeiro livro de crônicas que li e achei maravilhoso, eu particularmente gosto desse estilo de escrita. Eu adoro escrever sobre pequenos acontecimentos e compartilhar no meu facebook, acredito que tem situações que podemos promover reflexões, gosto de narrar sobre cenas entre minha família com foco em mainha, na maioria das vezes são cenas que decorrem de um investimento em problematizações e desconstruções da minha parte e de minha irmã. Óbvio que não estou aqui comparando a minha escrita com a de Cidinha da Silva, não cometeria tamanho absurdo, mas quero dizer que a crônica está mais próxima de nós leitoras e de mim em especifico por ser algo que praticamos até mesmo sem nos darmos conta. 

A primeira crônica intitulada Cada Tridente Em Seu Lugar justifica a escolha do título do livro e também relaciona com uma produção do cinema nacional, o filme O Homem Que Copiava, ela levanta uma discussão que eu que já tinha assistido ao filme não tinha pensado, sobre o personagem principal não ser um personagem com marcador racial, ou seja, ele não era um personagem de estereótipo ‘negro’ que necessariamente colocam pessoas negras para interpretar, como por exemplo, o traficante ou a empregada doméstica, isso significa que o filme não pautava um debate sobre a negritude, mas que pode muito bem ser utilizado para produzir debates por nós negros, como a escritora Cidinha fez ao levar seus alunos para assistir no cinema tal filme.

Ela também fala sobre outro filme que já assisti e achei muito lindo, o filme As Filhas Do Vento, ela faz uma relação com o livro Paula da escritora Isabel Allende (por sinal já li o livro Inês da Minha Alma desta escritora e recomendo a leitura). Nessa crônica ela traz uma experiência muito pessoal, compartilha com as leitoras sobre o efeito de acalanto que esse filme teve para ela, assim como o livro Paula teve para a escritora Isabel. Concordo e muito com Cidinha sobre os sentimentos que sentimos ao assistir este filme, em momentos parece que somos nós que estamos sendo retratadas nas personagens, em outros nos solidarizamos a dor que talvez não sentimos, mas sabemos muito bem que é comum a mulher preta, em outros momentos sentimos felicidade ao ver mulheres negras em cena falando sobre nós mesmas, das tristezas e felicidades.

O mais encantador das crônicas e da organização disposta no livro é que em um destes estamos lendo sobre uma situação em uma viajem de ônibus com o cobrador, em outra já estamos em um evento de um coletivo de pessoas trans no qual Cidinha compartilha conosco as anotações feitas, e por fim estamos em uma reflexão sobre o famoso ‘gato’ que é realizado principalmente por pessoas de classe socioeconômica baixa.

Em cada crônica lida muitas reflexões são produzidas, risos, reconhecimentos, e também dores, pois o que posso dizer da crônica Luana, mas ao fim temos a certeza de que queremos que Cidinha da Silva compartilhe conosco mais e mais crônicas de sua experiência vivida e literária. Além de ser um dispositivo para aguçar o nosso sentido para uma melhor percepção das nossas próprias vivências diárias.


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