Cadernos Negros Poemas Afro-Brasileiros Volume 21


“Cadernos tem o mérito de abrigar autores de diversas tendências, o que resulta numa obra variada, onde a diferença é enriquecedora. A poesia aqui é um elo entre experiências similares, mas que, ao se tornarem linguagem, evidenciam diferentes concepções diante da vida e da arte. E assim é possível construir muitas leituras.

Cadernos Negros vem cumprindo seu papel de dar visibilidade à literatura afro-brasileira, estimulando assim a criação literária”

Primeiro preciso compartilhar com vocês que finalmente encontrei os poemas de Conceição Evaristo, eu tinha muita vontade de ler a sua escrita em forma de poema, estou acostumada aos contos e estava super curiosa para saber como seria a escrevivência na poesia, foram seis poemas fortíssimos que ecoaram por dentro fazendo refletir em cada palavra-som. Os poemas apresentam protagonismo de mulheres, dissertam sobre o modo de sobrevivências destas mulheres, sobre o amor entre as mulheres, por fim tem-se um poema sobre a saudade de duas mulheres.

Todas as Manhãs
(Conceição Evaristo)

Todas as manhãs acoito sonhos
E acalento entre a unha e a carne
Uma agudíssima dor.

Todas as manhãs tenho os punhos
Sangrando e dormentes
Tal é a minha lida
Cavando, cavando torrões de terra,
Até lá, onde os homens enterram
A esperança roubada de outros homens.

Todas as manhãs junto ao nascente dia
Ouço a minha voz-banzo,
Âncora dos navios de nossa memória.
E acredito, acredito sim
Que os nossos sonhos protegidos
Pelos lençóis da noite
Ao se abrirem um a um
No varal de um novo tempo
Escorrem as nossas lágrimas
Fertilizando toda a terra
Onde negras sementes resistem
Reamanhecendo esperanças em nós.

Neste volume temos também Miriam Alves com seus poemas que caminham por todo o espaço que lhe é dado na página, comentei sobre esse modo de dispor a escrita no papel na resenha do CN poemas afro-brasileiros volume 17. São sete poemas para balançar o nosso modo de ler.

Olhos ossos

Quando no silêncio
me resguardo
os meus olhos envelhecem
meus ossos curvam-se a vontades alheias
Pelos gritos guardados
             velados

                         dia
                         após
                         dias

sinto a precocidade da velhice.


Um dos poemas do escritor Landê Onawale mexeu muito comigo, por falar sobre o genocídio do povo preto, por ser o nosso grito de Vidas Negras Importam e Parem de Nos Matar!, o que mais me tocou foi como esse grito foi feito, foi feito representando a voz de muitos que estão tão cansados de ver seus irmãos morrendo que estas também se apresentam doentes, sem forças para continuar, mas mesmo assim gritam, as vezes como um sussurro, mas reúne forças para permanecer de pé, Landê coloca toda essa mistura de sentimentos e luta na sua poesia.

CANARINHAS DA VILA

o que pode a minha poesia contra isso:
três jovens assassinadas lado a lado

o que pode nossas vozes
ante os estampidos
que despedaçam crianças como nozes?
[...]
quando abro esta manhã de sol
e a polícia me lava o rosto com o sangue negro juvenil
penso no genocídio da negra gente
(suicídio inconsciente do brasil...)
o mar malungo me enche os olhos
e o meu coração lança ondas soluçantes
à minha alma de rocha masculina
e ela se desfaz e salga meu caminho
e os homens-meninos da rua que criei
levemente me evitam
e eu choro criança sem parar
querendo todo mundo aqui
em torno de mim
da minha dor

eu digo não!
ergo meu poema como um não
outra vez
nesta vida de áfrica sequestrada
quando outros poderiam ser os versos
para falar de adolescentes semelhantes
àquela minha mesma namorada
preta, pretinha, carapinha
que me acompanha desde que nasci!




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