Quarto de Despejo Diário de uma favelada

19 de julho de 1955 - [...] Quando cheguei em casa era 22,30. Liguei o radio. Tomei banho. Esquentei comida. Li um pouco. Não sei dormir sem ler. Gosto de manusear um livro. O livro é a melhor invenção do homem.

19 de maio de 1958 - [...] Aqui na favela quase todos lutam com dificuldade para viver. Mas quem manifesta o que sofre é só eu. E faço isto em prol dos outros. [...]

12 de junho de 1958 - Eu deixei o leito as 3 da manhã porque quando a gente pede o sono começa pensar nas misérias que nos rodeia. (...) Deixei o leito pra escrever. Enquanto escrevo vou pensando que resido num castelo cor de ouro que reluz na luz do sol. Que janelas são de prata e as luzes de brilhantes. Que a minha vista circula no jardim e eu contemplo as flores de todas as qualidades. (...) É preciso criar este ambiente de fantasia, para esquecer que estou na favela”

6 de maio de 1959 -  [...] Fomos na Rua 7 de abril e o reporte comprou uma boneca para a Vera. (...) Eu disse aos balconistas que escrevi um diário que vai ser divulgado no O Cruzeiro.

1º de junho de 1959 - [...] Quando João voltou com a revista, li – Retrato da favela no Diário ode Carolina- Li o artigo e sorri. Pensei no repórter e pretendo agradecê-lo. (...) Troquei roupas e fui na cidade receber o dinheiro da Vera. Na cidade eu disse para os jornaleiros que a reportagem do O cruzeiro era minha. (...) Fui receber o dinheiro e avisei o tesoureiro que eu estava no O Cruzeiro.

Essa é mais uma resenha que escrevo que sinto muito medo kkkk as outras foram dos livros O olho mais azul e Um defeito de cor. Carolina foi a primeira escritora negra que li tendo consciência de que estava lendo uma literatura negra feminina. Esse é um ponto importante, pois não li o livro porque algum professor mandou ler, li porque estava na busca de uma literatura que me representasse e que falasse de mim nas suas escritas, além disso estava ansiando por uma escrita de uma mulher negra, sendo assim fui com muita cede ao pote e digo com muita satisfação de que não me arrependi, cada linha do livro de Carolina foi arrebatador, despertou inúmeros sentimentos e produziu muitas conexões entre a escritora e a leitora.

Eu nunca consegui escrever um diário, sempre achei muito chato, mas se você já escreveu ou ainda escreve vai saber muito bem como é composto um diário, é como se estivéssemos escrevendo pra alguém, só que normalmente as pessoas imaginam que estão escrevendo para apenas uma pessoa, Carolina, não! Ela desde o início se colocou no lugar de alguém que estava escrevendo para muitas pessoas, demonstrava interesse em publicar seu diário, mas este não foi publicado até chegar na vida de Carolina o jornalista Audálio Dantas.

Carolina também nunca escondeu que escrevia, que gostava de ler, isso não era muito bem visto por todos da favela onde morava, alguns a consideravam metida por ser uma mulher negra envolvida com a leitura, todo esse conflito ela descreve em seu livro, o modo como ela era percebida pelos outros moradores. Se você, mulher preta, gosta de ler ou mesmo que não goste, mas está em uma universidade, de preferência publica, vai saber qual a sensação que Carolina vivia, quero dizer, mulheres negras que estão envolvidas com a leitura ou literatura são vistas como boçais ou metidas, igual quando ingressam na universidade, quem nunca ouviu “Ah mas ela é uma preta metida”, essa realidade acontece com todas as mulheres pretas que saem do lugar estereotipado proposto para o povo preto, de que são incultos ou ignorantes.

“Como é horrível ver um filho comer e perguntar: “Tem mais?” Esta palavra “tem mais” fica oscilando dentro do cérebro de uma mãe que olha as panela e não tem mais.”

Carolina fala de uma maternidade que é conhecida por muitas mulheres, as mães solo que criam seus filhos sem a presença do progenitor, ela relata no seu diário como era difícil que o pai de Vera pagasse a pensão, mesmo assim Carolina nunca deixou de cobrar o que era de direito das crianças. Ela também narra sobre como educava seus filhos, como era a relação deles com a leitura, Carolina escreve sobre toda sua relação com seus filhos, percebe-se que ela não tenta omitir ou ‘florear’ como vivia ou educava as crianças, isso demonstra como Carolina era verdadeira consigo mesma e com os seus leitores.

“...Tem pessoas aqui na favela que diz que eu quero ser muita coisa porque não bebo pinga. Eu sou sozinha. Tenho três filhos. Se eu viciar no álcool os meus filhos não irá respeita-me. Escrevendo isto estou cometendo uma tolice. Eu não tenho que dar satisfação a ninguém. Para concluir, eu não bebo porque não gosto, e acabou-se. Eu prefiro empregar o meu dinheiro em livros do que no álcool. Se você achar que eu estou agindo acertadamente, peço-te para dizer: - Muito bem, Carolina”

Carolina durante todo seu diário fala sobre política, como os governos não olhavam nem assistiam o povo pobre da favela, como estes eram considerados a escória da sociedade que não são considerados dentro da humanidade, muito sabiamente e com razão Carolina narra o descaso dos governantes, como eles usam a favela apenas em período eleitoral e quando eleito faz questão de marginalizar ainda mais os favelados.

“Quando Jesus disse para as mulheres de Jerusalém: - “Não chores por mim. Chorae por vós”- suas palavras profetizava o governo do Senhor Juscelino. Penado de agruras para o povo brasileiro. Penado que o pobre há de comer o que encontrar no lixo ou então dormir com fome.

Poderia destacar mais assuntos do livro de Carolina, mas prefiro deixar essa curiosidade pra você procurar saber mais, espero que vá correndo pegar na biblioteca ou comprar o livro e desfrutar dessa obra prima, além dos outros livros, pois Carolina não é escritora de um livro só, suas outras obras  também são fantásticas e precisam ser reconhecidas e divulgadas. Novamente ressalto a importância de Carolina para a escrita da mulher negra, para o autorreconhecimento como escritora, de não ter medo de se assumir enquanto mulher que escreve e que encontra na literatura refugio e prazer, que Carolina continue sendo esse exemplo e inspiração. 


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