Cadernos Negros Volume 33 Poemas Afro-Brasileiros


“Ao longo de mais três décadas, com empenho do Grupo Quilombhoje Literatura, os Cadernos Negros se tornaram o principal veículo de divulgação da literatura Afro-Brasileira, no qual aparecem vozes afrodescendentes, oriundas de diferentes lugares do Brasil” (Orelha do livro Cristian Sales)

“E ao longo dos séculos No caminho da vida Os netos e herdeiros Saberão quem fomos” (Odete Semedo – Guiné-Bissau)

Segundo volume de poemas que li e continuo completamente apaixonada por todo esse trabalho literário, sempre quando me perguntarem sobre antologia vou logo dizer Cadernos Negros.

Neste volume tem 23 escritores e escritoras, alguns já tinha lido nos volumes dos contos, e isso é muito legal de ver, a mudança do estilo literário, mas percebo que a essência permanece, confesso que até esperava encontrar poemas de Conceição Evaristo, porém até agora não teve nenhum, ressalto alguns nomes que estão tanto nos volumes dos contos quanto nos volumes dos poemas: Elizandra Souza, Cristiane Sobral, Jairo Pinto, Esmeralda Ribeiro, Mel Adún e o escritor que mais me chamou a tenção nos volumes de contos, Cuti (pseudônimo de Luiz Silva).

Pude perceber uma riqueza enorme nesse volume, cada escritor com seu modo de escrever, com seus assuntos a abordar, por exemplo, Cristiane Sobral muito fala sobre os desamores da mulher negra, a tal da solidão da mulher negra.

Quando falo sobre solidão da mulher negra não me refiro apenas a área amorosa, mas a todas as áreas da vida, sobre se sentir só no que se refere a amizades, no meio familiar, no ambiente de trabalho, a área amorosa é a que mais chama a atenção, porque vivemos em uma sociedade que preza por um relacionamento romântico e nos ensina que só podemos ser felizes se estivermos com algum homem, porque se a mulher preta se sentir bem em um relacionamento e estiver vivendo o amor romântico com outra mulher este não é bem visto pela sociedade homofóbica.

ILUSÃO DE ÓTICA

Eu queria que você pudesse
entender minha negritude
com os reflexos do mito da democracia racial
provocando lágrimas em seus olhos

Diante de outro ponto de vista
talvez você pudesse admitir
a sua visão distorcida
as suas opções estéticas equivocadas
os seus modelos de beleza programados pela televisão

Eu queria que você compreendesse
a pele negra não é uma fantasia para o desfile do carnaval
não é uma capa para encobrir identidades maltratadas
a pele negra não é mais quente,
nem mais forte, muito menos exótica

Eu queria que você pudesse
enxergar a minha humanidade
muito além da minha melanina
além dos meus quadris

Eu queria que você pudesse ir além do seu desejo
que pudesse enxergar o meu coração
mas talvez eu não estivesse enxergando muito bem
porque hoje compreendi o quanto
o meu amor estava cego
por detrás dos meus óculos românticos

Outro escritor que me chamou a atenção neste volume foi Jairo Pinto, uma das poesias que mais gostei foi a Dia Negros Virão, genteeee é fantástico o modo que ele utiliza os termos racistas tipo: denegrir, boi da cara preta, a coisa tá ficando preta, termos que todos utilizam e por muitas vezes não percebem que são termos racistas, eu mesma utilizava e muito estes termos, só depois que fui começar a prestar atenção nas palavras que usava e hoje busco sempre mudar o termo, utilizar outras expressões, mas nesse poema ele utilizou estes termos mesmos, deu o seu recado e ficou muito bom o poema.

DIAS NEGROS VIRÃO

Vamos denegrir a sua imagem

Não somente na TV
Como também em toda parte
Para que haja de fato
Algo que chamemos de identidade.

Vamos denegrir a sua imagem

Pra mostrar que dias negros virão
Puxados pelo carro-de-boi-da-cara-preta
Abrindo os olhos do mundo
Revelando aqui que a coisa é deveras preta
Honrando as vozes guerreiras que tombaram
Nos quilombos e nas cidades
Denunciando este estado de mal-estar social.

Vamos denegrir a sua imagem

Vamos denigrar, denegrir, enegrecer
Mergulhar em toda nossa escuridão
Para rimar mulher negra com respeito e dignidade
Para que as nossas crianças
Retomem a beleza de serem crianças
Para que todo nosso povo
Encha o peito para afirmar
Que dias negros virão.

Outro escritor que também fez essa proeza foi Adilson Augusto com o poema Maria, achei interessante porque ele falou sobre o estereótipo da mulher negra raivosa, barraqueira, que causa tretas, achei mais interessante ainda porque era um homem falando sobre esse tema, pra mim ele falou com muito respeito e conseguiu transmitir a mensagem de forma muito enegrecida.

MARIA

Maria preta
Maria malvada
Maria sempre de mau humor

Imagino Maria raivosa à porta do céu:
- Aí só tem branco?
E São Pedro, em choque:
- Putz, nunca pensei assim. Entra.
E Maria, risonha e inteligente:
- Não quero, sou afro, sou África

Estes são temas muito pesados de abordar, que são debatidos entre nós em eventos, diálogos, conversas, quando levado pra poesia estes não perdem nem um pouco sua carga de conteúdo, mas acredito que consegue tocar a leitora ou leitor de modo diferente, impacta de uma forma que pode produzir muito mais reflexões do que um discurso em uma palestra, o poema primeiro entra em nossa mente e depois ecoa produzindo reflexões por dentro e possivelmente produz mudanças externalizando o aprendizado com a experiência da leitura.


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