Um Defeito de Cor - Kehinde
"O que sabia iorubá disse para eu
falar o meu nome direito porque não havia nenhuma Kehinde, e eu não poderia ter
sido batizada com este nome africano, devia ter um outro, um nome cristão. Foi
só então que me lembrei da fuga do navio antes da chegada do padre, quando eu
deveria ter sido batizada, mas não quis que soubessem dessa história [...] Para
os brancos fiquei sendo Luísa, Luísa Gama, mas sempre me considerei Kehinde
[...] Mesmo quando adotei o nome de Luísa por ser conveniente, era como Kehinde
que eu me apresentava ao sagrado e ao secreto."
Antes de começar a escrever a resenha só
quero avisar que tenho bastante medo de estar falando sobre essa obra, Um
defeito de cor tem se tornou uma enorme preciosidade dentro da literatura negra,
não apenas pelo seu tamanho, a obra tem 947 páginas, mas também por tudo que
representa com a história de Kehinde, vou me dar o direito de usar este nome ao
invés de Luísa Gama ou Luísa Mahin.
A história começa da infância de
Kehinde, falando sobre sua relação familiar, isso é bastante importante, pois inúmeras heroínas negras sempre observamos que o nascimento, a origem são desconhecidas e Ana Maria Gonçalves meio que restitui isso a Kehinde, ela começa a dar humanidade a essa mulher negra.
Depois do assassinato de sua mãe e seu irmão (acho que isso foi um spoiler, desculpa), Kehinde, sua irmã gêmea (Taiwo) e sua avó partem para outra cidade. A caminhada é bastante difícil e a narrativa traz os pensamentos e visão de uma criança durante esse trajeto, é de tamanha sensibilidade a escrita que realmente parece que tem uma criança narrando todo o percurso.
Depois do assassinato de sua mãe e seu irmão (acho que isso foi um spoiler, desculpa), Kehinde, sua irmã gêmea (Taiwo) e sua avó partem para outra cidade. A caminhada é bastante difícil e a narrativa traz os pensamentos e visão de uma criança durante esse trajeto, é de tamanha sensibilidade a escrita que realmente parece que tem uma criança narrando todo o percurso.
Dando um salto na história ... Kehinde e
Taiwo vão ver o mar na cidade onde se encontram e nesse momento são capturadas juntamente
com a sua avó.
“Ela (avó)
disse que, assim que que desembarcássemos no estrangeiro, e se ela ainda
estivesse viva, faríamos uma cerimônia digna para Taiwo, porque nem para a
minha mãe ou para o Kokumo fizemos de acordo com as tradições, apenas como
tinha sido possível. Eu, assim que desse, também teria que mandar fazer um
pingente que representasse a Taiwo e traze-lo sempre comigo, de preferência
pendurado no pescoço.”
A avó faleceu antes de desembarcarem,
apenas Kehinde desceu no Brasil e desse momento vou dar outro salto e passar já
para o momento que ela encontra Agontiné. Inclusive falei sobre Agontiné na
resenha do livro Heroínas Negras Brasileiras em 15 cordéis, a Jarid Arraes
fez um cordel muito lindo sobre ela.
“A mulher se apresentou a nós como Maria
Mineira Naê e disse que em África tinha outro nome, Agontimé. Foi então que eu
percebi que estava frente a frente com a rainha de Abomé, sobre quem muitas vezes
tinha ouvido a minha avó falar, realçando a sua bondade com o povo e a
dedicação aos voduns.”
Essa não foi a única vez que Kehinde
encontra Agontimé, mais pra frente elas se encontram e constroem uma relação
muito intima que favorece bastante a Kehinde quando ela volta pra África, este reencontro está muito relacionado a religiosidade, uma parte da historia de grande aprendizado pra nós leitoras. A história
contada no livro é uma carta, uma carta destinada a Luís Gama, ela faz menção
ao filho durante toda a narrativa, mesmo quando volta pra África
Kenhide ainda continua escrevendo para o seu filho ‘perdido’.
Sobre a participação de Kehinde na revolta
dos Males eu gostei muito, de como Ana Maria Gonçalves posiciona
esta mulher, não apenas como a mulher que na hora pegou em armas e lutou,
destacando apenas a força física e bravura da mulher preta, mas ela detalha
todo o percurso anterior e posterior a isso, de como Kehinde colaborou na
organização, digamos na parte intelectual da revolta, pois por muitas vezes só
valorizam o lado da força e não o da intelectualidade dos negros, principalmente
no que se refere as revoltas e lutas pela liberdade no período escravocrata.
Aqui faço um parêntese, como era uma
revolta sendo organizadas por negros africanos e brasileiros islamizados as
mulheres tinham muitas restrições e isso Kehinde também ressalta
na história, sobre até como em festas eram separadas as mulheres dos homens e
como era desempenhado o papel das mulheres nesse meio que segue esta religião.
Pra mim o ápice da historia acontece quando
Luís Gama é vendido pelo pai e Kehinde começa a busca pelo seu filho, em um determinado
momento ela parte pro Rio de Janeiro e lá passa um bom tempo, contudo não
consegue encontrar o seu filho.
“Os pretos de São Sebastião eram diferentes
de São Salvador, por causa da procedência. Para São Salvador iam principalmente
os da região de onde eu tinha saído, os fons, os eves, os iorubas e mais outros
que, por lá, eram todos chamados de minas, porque embarcavam na Costa da Mina.
Para São Sebastião iam os angolas, os moçambiques, os monjolos, os benguelas e
mais alguns.”
Depois de muitos desencontros na procura
de seu filho e também nos amores, Kehinde decide voltar para África. Durante
toda a história Ana Maria Gonçalves relata sobre os amores, desamores e violências
pelos quais Kehinde passou. Isso lança um outro olhar para essa mulher, pois é
retirado da mulher negra o afeto, o amor, os desejos, esta é vista somente como
um corpo ou objeto sexual, sim Kehinde foi violentada em muitos momentos, mas
também foi dito sobre as suas várias descobertas, sejam corporais, no amor ou sexuais, além de relatar as decisões que esta mulher precisou tomar nessa área amorosa de sua vida.
“A viagem durou vinte e seis dias. Saí de São
Salvador a vinte e sete de outubro de um mil oitocentos e quarenta e sete e
desembarquei em Uidá a vinte e dois de novembro, no mesmo local de onde tinha
partido trinta anos antes. As situações eram distintas, mas o medo era quase
igual, medo do que ia acontecer comigo dali em diante.”
De volta a África Kehinde constrói novos
laços, restitui os velhos lações brutalmente abandonados, tem filhos, consolida
uma casa e sustento, passa a ter uma vida considerada boa e saudável, não esquece
dos amigos que ficou no Brasil, sempre mantendo contato. Aos filhos nascidos
em África Kehinde e Jonh, o pai das crianças, dão os nomes de Maria Clara e
João, na história ela explica o porquê dessa escolha.
Por fim, aqui dei outro salto na história kkkk após receber notícias do paradeiro do seu filho Kehinde decide votar ao Brasil, ela faz a viajem com
Geninha, uma moça que ela considera como sendo uma filha.
“Muito maior do que o pedido ao João, à
Maria Clara, ao genro, às noras e a todos os netos que foram se despedir de mim
no porto de Lagos, onde eu a Geninha tomamos o navio. Tentaram me convencer a
ficar, argumentando que eu não aguentaria a viagem, que não teria como te
encontrar e nem sabia se você ainda estava vivo ou morto ou morando no mesmo
lugar em São Paulo. Mas nada disso teve importância, pois eu tinha certeza de
que precisava vir, precisava te contar tudo que estou contando agora.”
Eu peguei o livro Um defeito de cor na biblioteca dos barris ♥
Comentários
Postar um comentário