Salvador, cidade túmulo


Não acreditem que isso seja um livro de contos. Aqui não tem história curta nenhuma, mas estertores da grande saga africana na América. Páginas onde o tempo nunca acaba porque é memória reboliça, inquieta, que fuça o futuro no colo da Vovó e encruzilhada as ruas de todo o livro com encanto e medo.

“Salvador, cidade túmulo” é a recusa da paz dos cemitérios. Seus personagens, muitos realmente mortos no cotidiano colonial da primeira capital, são convocados à vista pela literatura e Hamilton. Trazem consigo a Liberdade, sua comunidade, o desejo e o amor, seus ancestrais, a amizade, a farra, o sorriso e a gozação, a ginga e a reza, um Curuzu desnudo na ternura dos que erigem acima das tumbas a renitência do povo negro (Luis Carlos de Alencar – Apresentação)

Segundo o Atlas da Violência 2017, lançado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, mulheres, jovens e negros  de baixa escolaridade são as principais vítimas de mortes violentas no país. A população negra corresponde a maioria (78,9%) dos 10% dos indivíduos com mais chances de serem vítimas de homicídios. O documento revela que a cada 100 pessoas assassinadas, em 2017, 71 eram negras. Em sua grande maioria mulheres e jovens. Só em 2015, cerca de 385 mulheres foram assassinadas por dia.

Eu já li livros de escritores baianos e todos de certa forma retrata a nossa vivência, tem implicado na escrita os encantos na minha cidade, mas com este livro foi diferente, o escritor Hamilton retrata sobre o genocídio do povo negro de forma crua, sem floreios, sem passar a mão na cabeça, disse o que nós soteropolitanos vemos todo dia, e que na maioria das vezes finge não ver, deste modo, se você for ler esse livro não leia de uma vez só, vá com calma, devagar, ele é pesado demais.

Hamilton fala sobre assassinato de rapazes negros, travesti negro, moradores de rua negros, ele fala sobre os assassinatos que tombam os corpos negros na cidade mais negra fora da África. Sobre esses corpos que já vivem como mortos, que já são tratados como o lixo que precisa ser descartado para purificar e deixar higienizado a cidade capital do turismo e da recepção dos gringos que se esbaldam com a nossa cultura.
Se você nunca ouviu falar sobre genocídio do povo negro, ou se nunca parou para perceber que os mortos têm cor e é a cor negra, pode estar se perguntando porque ler sobre um livro que fala sobre assassinatos, te digo que este livro é necessário, pois ele vai dar Nome, História e Vida, para estes corpos que tombou e que você vê na televisão debaixo de um pano branco ou pior aquele corpo que você vê sendo interrogado por qualquer repórter dentro da delegacia para o deleite do cidadão de bem que vai arrotar a sua hipocrisia e racismo dizendo “Bandido bom é bandido morto”.

Esse é o principal na minha visão de leitora, os mortos tem Nome, tem a sua História que muitas vezes se repete em cada homem negro, abandonado pela família, apresenta uma família desestruturada, tem filho, mas não é permitido criar então vai findar na rua e quando se está na rua o fim na maioria das vezes é sempre o mesmo, é ser assassinado pela polícia o capitão do mato da nossa era, o braço do Estado que faz o que manda ser feito e obedece sem nem questionar o que está fazendo, pois foi condicionado e criado para isso, para odiar o seu irmão negro, para excluir o que desagrada a branquitude.

Aqui falo sobre outro ponto importante, quem mata essas vidas é o poderio do sistema da brnaquitude, mas quem aperta o gatilho é polícia e essa polícia em sua maioria é preta, eu não quero tirar a responsabilidade deste grupo, mas acredito que precisa ficar enegrecido que o nosso alvo não é a polícia, precisamos falar sobre Sim, reivindicar mudança Sim, a polícia foi criada para matar preto Sim, a sua função desde sua criação é essa Sim, mas o nosso alvo é o sistema que coordena este grupo. Espero que vocês tenham me entendido, precisamos esculachar a polícia Sim, mas o nosso alvo é a branquitude, porque pode sair um policial e entrar outro igual no seu lugar e vai continuar perpetuando a mesma lógica dessa máquina mortífera.

Para vocês terem uma noção do que estou tentando dizer tem no livro a história de Salvador, cidade túmulo, a última história, que retrata a greve policial e que a polícia durante este período matou para conseguir aumento de salário, em minha pesquisa para esta resenha vi que também existe Bônus policial, em especifico na cidade de São Paulo, ou seja, é aquele trabalho a mais que eles precisam fazer para alcançar metas e assim  ganhar um acréscimo em seu salário, todos nós sabemos muito bem o que significa este trabalho a mais.

De 2014 a 2016, 16% dos mortos por policias tinham menos de 17 anos, o dobro da proporção daqueles alvo de homicídio geral (8%). Além disso, 67% das vítimas fatais de ações policiais eram pretos ou pardos, contra 46% do total de assassinatos no estado.

Termino a resenha dizendo que se você for de Salvador vai encontrar nesse livro a sua linguagem, o nosso modo de falar, se você não for de Salvador não se preocupe, pois no final tem um glossário de palavras/gírias Baianas. Tem muitas palavras que mesmo se você for de Salvador talvez você não saiba, por não ser adepto de alguma religião de matriz afro-brasileira ou por não ser da comunidade LGBT, mas é só olhar o glossário e tudo se resolve.



Referências:

Brasil: um país marcado pelo genocídio da sua população negra, pobre e periférica - http://www.mst.org.br/2018/05/18/brasil-um-pais-marcado-pelo-genocidio-da-sua-populacao-negra-pobre-e-periferica.html

Atlas da Violência 2017: negros e jovens são as maiores vítimas - https://www.cartacapital.com.br/sociedade/atlas-da-violencia-2017-negros-e-jovens-sao-as-maiores-vitimas

Polícia mata mais homens, negros e jovens no estado de São Paulo - https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2018/05/policia-mata-mais-homens-negros-e-jovens-no-estado-de-sao-paulo.shtml

Governo de SP dará bônus a policiais que atingirem metas de redução de crimes - http://www.ebc.com.br/noticias/brasil/2014/01/governo-de-sp-dara-bonus-a-policias-que-atingirem-metas-de-reducao-de-crimes

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