Zanga

“Tem guerra possível de ganhar e tem umas que a luta permanecerá pelas gerações que irão lhe suceder. Ngunzu sabe que é importante os que já foram, como os que virão. A arma é de muzungos, mas a derrota nunca é nossa. Sempre lutamos, o tempo kitembu nos faz eternos, nos faz grandes lutadores (Bucala)”

“O último
O cheiro de pólvora ainda exala o fel da morte
Os homens com fardas respingadas de sangues quentes
Irão atirar em minha face
Doze parceiros já tombaram
Serei o último
Seus sangues escorrem pela terra do campinho e umedecem o meu
Joelho
Penso em pipa e em minha coroa
Olho para p rosto feroz do algoz
Sinto a madrugada cabulosa
E vejo um sol de aço crescer sobre minha cabeça
(Laila e Joaquim)”

Zanga é um livro de contos que vai misturando a ordem do tempo, nos levando ora pro passado e trazendo bruscamente pro presente, não conseguimos ficar na linearidade do tempo, seja por meio de um sonho que Ife vê Toni Morrison, ou seja por Bucala contando sua história, pois foi chamada – invocada para tal proposito.

A ordem dos contos também não permite que fiquemos quietos, em um determinado momento você está lendo sobre um garoto que fica tão pensativo sobre seu primeiro beijo, a garota e um possível futuro juntos mesmo sendo de 'mundos' diferentes, porém este futuro não chega, pios é interrompido por um policial, em outro momento você sofre junto com Laila e Joaquim pelas vidas tiradas na chacina do Cabula que não serão jamais esquecidas, em seguida você já sente toda a angustia da mãe que perdeu seu filho também pela força policial, é como se o autor quisesse nos mostrar a mesma cena por diversos ângulos, e sim ele consegue.

O que se vê também é que apesar dos tempos diferentes, das visões proporcionadas pelos variados personagens, algo permanece constante durante todo o livro, a ancestralidade, uma ancestralidade que marca um território, o Cabula, percorremos o Pelourinho, Santo Amaro, mas o Cabula não desprende em nenhum momento da mente, talvez porque tantas vezes foi repetido, como no conto Bucala no qual seu pai se chama Calabu e sua mãe Lacabu, e também por ter sido trazido em outros contos.

Outro elemento que nos é mostrado de maneiras diferentes é a Escuridão, seja por um apagão, seja pela perda da visão, seja pela escuridão eterna que existe debaixo da terra após ser enterrado, por não conseguir dormir, por não ter perspectiva de futuro, por ter cometido suicídio ou por estar atormentado com acontecimentos dos passado que perturbam os de hoje que descendem de um grupo opressor.

Óbvio que tudo está muito carregado de simbolismo, o que tá por trás do dito, aquilo que não é dito, mas que nós imaginamos, formulamos ideias, e 'achismos' sobre o sentido da história e acabamos sempre nos perguntando se era isso que o autor queria dizer, mas se o próprio escritor deixou a cargo de nossa interpretação que nós leitoras façamos o nosso trabalho, pois se este era realmente o objetivo aviso que conseguiu alcançar com êxito, visto que apesar de contos curtos, com situações rápidas, acontecimentos praticamente instantâneos, as histórias contadas permanecem ecoando em nossas mentes nos chamando para a reflexão.
  
Não poderia deixar de dizer que um dos contos do livro foi adaptado para o cinema, o conto Cinzas que com certeza a maioria dos jovens negros que trabalham e estudam se identificam foi transformado em um filme pela direção da cineasta Larissa Fulana de Tal, eu na minha agonia procurei o filme e não encontrei, não tem disponível na internet, então precisamos ficar ligados para saber quando estará nos cinemas, para todo mundo prestigiar uma produção de uma mulher negra baseado na história de um escritor negro.

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